23 novembro 2011

Em outras palavras

Durante muitos anos, embaixo de uma pilha de pastas, papéis, canetas nanquim e réguas de desenho, ficava escondido um dicionário de capa preta que meu pai usava. E ele usava bastante porque “às vezes as palavras que a gente acha que conhece nos surpreendem.

Eu acreditava nele. Por isso, enquanto meu pai desenhava e ouvia música, eu ficava por ali, sapeando... De vez em quando pegava o tal dicionário só prá dar uma espiada. E quando achava uma palavra engraçada ou bonita, anotava num caderno (que eu tenho até hoje) e tentava enfiar a bendita palavra de todo jeito nas redações da escola. Era divertido.

Lembrei disso ontem depois que uma amiga me indicou o Pequeno Dicionário de Palavras ao Vento, da Adriana Falcão. O livro é lindo e tem pequenas poesias como essa:

"Gente: carne, osso, alma e sentimento. Tudo isso ao mesmo tempo."

Aprendi um bocado de palavras diferentes no velho dicionário do Rubão. E aprendi também que às vezes, mesmo juntando um dicionário inteirinho, a gente não consegue explicar algumas coisas.

Aí eu tentei fazer igual ao Tião do Carro, “com palavras tão bonitas, caprichei bem na escrita”. Mas mesmo assim a explicação não saiu. Acho que é porque tem alguns tipos de felicidade que não tem palavra que explique. Tem ausência, que às vezes é tão grande, que só a palavra saudade parece ser pouca prá explicar. E vez ou outra aparece gente (de carne, osso, alma e sentimento) que nos deixa completamente sem palavras.
É este tipo de gente que faz o dia valer a pena! =)


13 outubro 2011

O Circo Montreal



De um lado fica a Serra da Mombuca. Do outro, a Serra da Pimenta. No meio das duas, Itarumã. E bem no meio de Itarumã, durante um mês inteirinho, ficou o Circo Montreal. 
 
Era um circo pequeno, mas para a molecada da rua que tinha pouco mais de um metro de altura, aquela lona colorida era o máximo! O terreno onde o circo foi armado ficava bem em frente à minha casa. E eu vi o mesmo espetáculo tantas vezes que já sabia de cor a hora que o sujeito das facas ia errar, jogar a faca para trás e arrancar um "óóóóó" do respeitável público. E mesmo sabendo o que ia acontecer, a gente corria para a matinê contando as moedas para comprar algodão doce e pipoca. E todas às vezes eu prendia a respiração, torcendo para o atirador de facas não machucar a mocinha.
 
Aí semana passada lá fui eu para o circo de novo. Desta vez um circo grande, com um nome esquisito. Moço... Foi tanta cor, som e movimento acontecendo ao mesmo tempo, que a gente só lembrou que aquilo tudo era faz de conta quando os artistas voltaram para o picadeiro - sem máscaras - para agradecer os aplausos. Foi realmente muito bonito e para a gente, que ficou ali espiando tudo de boca aberta, parecia até fácil voar de um lado para o outro.

O Tonico e Tinoco, que apresentaram-se em circos de todo o Brasil, cantaram um dia:

"Quando estou no drama que a platéia chora
Eles ignora que tudo é ilusão
O meu próprio drama eu nunca revelo
Sinto a dor no peito bater em duelo 
No cenário triste do meu coração"

Voar, a gente não voa não! Mas é bem verdade que vez ou outra o caboclo disfarça o que está sentindo para fazer bonito e conseguir um aplauso. E aí faz contorcionismo para dar conta do dia, dribla o leão, faz mágica para as contas fecharem e inventa uma piada mesmo sem achar lá muita graça. 

Vou contar uma coisa prá você: até hoje eu torço para o atirador de facas não machucar a  mocinha. E eu sei que no final vai dar tudo certo. Mas até ele acertar o alvo... Só mesmo prendendo a respiração. E aí, enquanto isso, de um lado fica o que a gente sente. Do outro o que a gente mostra. E bem no meio fica o coração, apertado que só...

12 outubro 2011

Do melhor jeito manera

"To tocando essa vidinha
Do melhor jeito manera
To sem pressa de matar
Essa vida passageira
Toda calma que eu puder
Vou gastar devagarinho
Quando vou pra um lugar
Dou cem voltas no caminho

(...)

Diz que a vida não se mede
Mas se aprende no viver
Não me atalho a paciência
To sem pressa de morrer
Seu cuitela numa estrada
Dou cem voltas no pomar
E só deixo a minha casa
Na certeza de voltar"



Pena Branca e Xavantinho


04 outubro 2011

Pingado com pão




Eu já tinha perdido a hora, o ônibus e estava quase perdendo a paciência quando começou a chover. Aí eu lembrei que tinha perdido também o café da manhã. Já que eu ia ter que esperar a chuva diminuir mesmo, entrei na primeira padoca que apareceu e pedi um pingado com pão na chapa. Era um gole e uma espiada na chuva. Um mordida no pão e uma olhada no relógio. "Tá atrasada, menina? Todo mundo vive atrasado, né?". Era a tia do café. Eu ia engolir e responder, mas não deu tempo. Ela já tinha ido servir outra pessoa.
A tia do café tinha razão. Espia só: um mês inteirinho passou e eu não consegui esticar a prosa aqui. Tá sobrando coisa prá contar, e por isso mesmo, faltando tempo prá escrever. Em setembro eu deixei tanta coisa "na espera" que é melhor nem lembrar. Aí tinha prometido que outubro ia ser diferente. Mas hoje já é dia 4 e eu comecei o mês de novo na correria, olhando para o relógio a cada cinco minutos.
Mas eu ia contando da chuva que não passava... Eu ainda estava na padaria matutando sobre tudo o que “não” ia dar tempo para fazer quando a tia do café voltou. Achei que devia retribuir o comentário dela: "Às vezes eu queria ter só uns cinco minutos a mais prá fazer uma ou outra coisa com calma, sabia?". Ela concordou com a cabeça, colocou "um dedo de café" num copo, bebeu e soltou essa: "Se você sabe quanto vale cinco minutos no seu dia, vai saber por que o seu coração bate, querida.” Falou e pronto, foi lavar os copos sujos de café que estavam na pia.
Uns 15 minutos depois a chuva ficou mais rala e uma hora depois eu consegui chegar ao trabalho. Ruminei o dia inteirinho aquela prosa com a tia do café. E aí eu me dei conta que não foi a chuva que me atrasou. Foram os "cinco minutos" que fizeram meu coração me levar na noite anterior até o outro lado da cidade. "Vai saber por que o seu coração bate..." Não é que a tia do café acertou?
Ia pensando nisso agora quando lembrei de uma moda do Renato Teixeira: "então vamos que o tempo tá passando e o melhor nessa vida é ir andando". A gente nunca sabe o que pode acontecer no dia de amanhã. E não adianta fazer planos porque basta chover no dia seguinte para mudar tudo. Mas se você consegue fazer valer (mesmo!) a pena pelo menos cinco minutos do seu dia (ou da sua vida inteira), a chuva, o ônibus atrasado, a pilha de coisas para terminar até o final do dia... Tudo isso fica mais fácil - ou menos difícil. É como diz o Teixeira: "uma vida inteirinha não é nada prá que gosta dessa jornada".


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...
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PS: Se passar pela rua Peixoto Gomide, em Sampa, pare prá tomar um pingado e trocar dois dedo de prosa com a tia do café da padaria Nóbrega. Mesmo se não estiver chovendo, vale a pena! =)

31 agosto 2011

Vai doer. Mas é rapidinho!

Aí um dia, tentando fazer uma armadilha para um tatu no fundo do paiol, enfiei um estrepe enorme embaixo da unha. O filho do peão que estava montando a arapuca comigo me olhou com uma cara de “você não vai chorar por causa disso né?”. E aí eu não chorei.

Mas o danado do estrepe latejava. E ficou ali, incomodando um bom tempo. Eu não tinha coragem de mostrar para minha mãe por que ficava pensando na dor para tirar a farpa de madeira. Não importa o quanto algo nos machuca. Às vezes, mesmo com dor, se livrar do que está machucando dói mais ainda...

Dois dias depois, num segundo que eu descuidei da mão, minha mãe viu que meu dedo estava parecendo uma mangaba. Tentei explicar que eu estava esperando o estrepe sair sozinho, mas não teve jeito. Em menos de 10 minutos ela já estava sentada, segurando minha mão de um lado e uma agulha do outro. Aí eu chorei. Muito. Moço... como doeu! E eu ainda estava chorando quando ela disse: “pronto, já tirei. Se tivesse tirado antes, não tinha doído tanto!”.

Tem gente que faz coleção de estrepes embaixo da unha. Um mais dolorido que o outro. E vai deixando ali, esperando prá ver se o bendito sai sozinho. Eu mesma, até hoje, finjo que não estou com vontade de chorar. E ainda escondo um ou outro estrepe embaixo da unha na esperança que ele pare de doer sozinho. Acredite: não pára. E pode apostar, vai doer para tirar. E eu estou sendo honesta porque minha mãe nunca mentia prá gente – quando ia doer ela avisava. Mas também lembrava: “vai doer agora, mas é rapidinho! Depois passa e você pode ir brincar”. Tá, nem sempre é rapidinho. Mas a dor passa mesmo, juro! Eu acho... =)
  

Ainda em tempo: não pegamos o tatu.



29 agosto 2011

Presta atenção

O Gonçalo partiu fora do combinado há alguns meses. E até agora eu não tinha falado disso porque não sabia o que falar. Perder um amigo é algo que “dói a ponto de não dar para respirar”. Aí há alguns dias eu conheci a Dona Jussara, mãe do Gonçalo. E foi ela que encontrou palavras para o que eu achava que não tinha explicação:

 “Às vezes dói a ponto de não dar para respirar. Mas é assim que a gente sobrevive. Você começa de novo todo dia. E de novo. E outra vez no dia seguinte. E sempre, todas às vezes, o mesmo sentimento te deixa sem ar. É uma porteira que reparte o coração entre a saudade e a vontade de continuar vivendo”.

Conversar com a Dona Jussara abriu algumas porteiras no meu coração... Da mesma forma que há quatro anos, no meio de outro redemoinho, o filho dela abriu uma porteira enorme e deixou passar tanto carinho e tanta paciência, que hoje eu faria de tudo para ter só um bocadinho dele aqui perto da gente. E aí eu passei as duas últimas semanas matutando o último pedacinho da minha conversa com a Dona Jussara:

"a vida não é curta do jeito que o povo fala, viu menina? A vida é longa... mas ela é rápida. E passa! Presta atenção porque daqui a pouco não dá mais prá voltar e fazer de novo."

Bom seria aprender isso de um jeito mais fácil. Mas como o Gonçalo mesmo vivia perguntando: "por que é que você insiste em fazer tudo do jeito mais difícil?". Vai saber... “Mas é assim que a gente sobrevive. Você começa de novo todo dia.”

......

"A porteira é a fronteira que meu coração reparte
(...) Vou rezar só pra que o vento nunca vire tempestade
(...) Não vou lutar contra o que me faz feliz
Eu sou assim mesmo... Meu coração está do lado de lá da porteira"







25 agosto 2011

Saudade


A saudade é uma estrada longa
Que começa e não tem mais fim
Suas léguas dão volta ao mundo
Mas não voltam por onde vim
A saudade é um estrada longa
Que começa e não tem mais fim
Cada dia tem mais distâncias
Afastando você de mim
Tantas foram as vezes
Que nos enganamos
Outras vezes nos desencontramos
Sem nem perceber
Mesmo sem razão eu quero lhe dizer
Sem intenção
Ver tudo se perder
Dói tanto, tanto
A saudade é uma estrada longa
Nem é boa e nem é ruim
Vou seguindo sempre adiante
Nunca volto,
Eu sou mesmo assim
A saudade é uma estrada longa
Que hoje passa dentro de mim
Me armei só de esperanças
Mas usei balas de festim

16 agosto 2011

Não faça contas


Durante o mês de julho eu rodei 3.720 quilômetros e fiquei 56 horas dentro do ônibus. Agosto não vai ser diferente. E acho que setembro também não. Nesta toada, se não mudar a rotina, até dezembro terei rodado 22.320 quilômetros em 336 horas.

Quando terminei de fazer esta conta eu achei que tinha errado alguma coisa. Aí pedi para um caboclo mais entendido do riscado assuntar se eu tinha feito o cálculo certo. Tinha. E quando ele entendeu a conta ficou me olhando de rabicho de olho um tempo, resolvendo se perguntava ou não. Aí perguntou: “vale mesmo a pena rodar 930 quilômetros todo final de semana?”.

Antes de continuar este causo, me deixa explicar: nos últimos meses eu tenho me dividido em duas casas: a “casa que eu preciso” e a “casa onde mora meu coração”. De segunda a sexta eu fico na casa que eu preciso. Mas no final de semana, mal termina a sexta-feira, eu corro para a “casa do coração”.

Aí na semana passada, enquanto eu fuçava na internet para ver se o tempo passava mais ligeiro, recebi um e-mail de um caboclo lá de Minas: o Chico. Garrei numa prosa boa com esse mineiro e aí, conversa vai, conversa vem, o Chico mandou essa: “a fibra ótica é boa mas perde muito ainda para o velho calor humano”. A prosa era sobre amizade, carinho, saudade e todas estas coisas que a gente só entende “mesmo” quando fica longe. E foi pensando no que o Chico falou que eu respondi a pergunta do meu amigo entendido em números: “vale... vale muito à pena”.

E aí, prá terminar a prosa, botei prá tocar uma moda do Alvarenga e Ranchinho:

“Ó que saudade que eu tenho
Que doce recordação
Da minha casa de páia
Que eu deixei lá no sertão
(...)
A casa menor da terra

Para algumas coisas na vida não adianta fazer conta, nem medir a distância, contar o tempo... A gente ama e ponto. 

21 julho 2011

Arroz com abacaxi


Arroz branco com abacaxi. Mesmo com o pessoal da mesa olhando meio torto para o prato, eu comi o tal abacaxi “com vontade” mesmo – é um dos pratos que eu mais gosto. “Mais caipira impossível...”, alguém brincou na ponta da mesa. E eu fiquei tão preocupada com todo mundo achando aquilo esquisito, que peguei outra fatia e coloquei no prato. =P
 
No dia seguinte, em cima da minha mesa, achei uma pasta com a foto de um abacaxi e um bilhetinho: “este abacaxi é para você”. Era mesmo um baita abacaxi... Levei a semana inteira prá “descascar” o bendito. Aí me lembrei da Dona Maria Beluzzo falando: “não... não pega esse não porque ainda não tá maduro! Vai querer comer abacaxi azedo?”. Minha avó plantava abacaxi na fazenda onde morávamos. A plantação ficava bem próxima da sede e de vez em “sempre” a gente passava correndo ali perto e ganhava um arranhão novo nos espinhos daquele mundaréu de abacaxis.

Eu nunca aprendi qual era o segredo para saber qual abacaxi estava maduro. E tinha um talento especial para escolher os mais azedos, era impressionante. Mas desta vez... Moço, não é que eu acertei? Deixei o “abacaxi” maturando e todo dia eu dava uma espiada nele. Levou uma semana inteirinha (e um ou outro arranhão), mas não é que deu certo? No final das contas o tal abacaxi ficou docinho, docinho...

Devolvi a pasta com o “abacaxi” e outro bilhetinho: “Só mesmo uma caipira prá fazer esse abacaxi ficar doce! Esse povo da cidade grande tem muita pressa. Mas não se preocupe: agora eu tô aqui!”. Coincidência ou não, na hora do almoço tinha abacaxi no cardápio de novo. E quando eu cheguei à mesa, espia só prá isso: todo mundo comendo arroz branco com abacaxi. =)

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Ainda em tempo, aqui vai uma dica da Dona Maria: prá escolher seu abacaxi, fique de olho nas folhas da coroa – se estiverem se soltando com facilidade, isso significa que o abacaxi está no ponto. Espero que você tenha mais sorte que eu na hora de escolher...

19 julho 2011

Um bocadinho do Chico...

"Se eu não mato a saudade, é "deixa estar"
Saudade mata a gente, saudade mata a gente, menina..."

Chico Buarque


27 junho 2011

Para aqueles que ganharam meu coração

 


Por conta do trabalho, eu passei muitas horas em aeroportos nos últimos meses. Muito mais do que eu gostaria, na verdade. Então, para não pensar no que eu poderia estar fazendo enquanto ficava ali – sem fazer nada –, eu me distraia observando as pessoas chegando e saindo nas salas de espera. Parece entediante, eu sei. Mas eu me divertia imaginando uma história diferente para cada uma delas. Cheguei até a escrever algumas. E foi assim, inventando histórias para desconhecidos, que eu conheci o Álvaro. Ele trabalha há quase 20 anos como motorista de uma empresa em São Paulo e, todos os dias, está em Guarulhos segurando uma plaquinha com o nome de alguém que ele nunca viu na vida. Um sujeito incrível, o Álvaro!

Nos falamos uma única vez. Enquanto nós dois esperávamos, dividimos uma mesa, um café e algumas histórias. E ele me disse uma coisa que eu achei o máximo – todo dia ele se arruma e fica na expectativa de conhecer alguém diferente. Há dias bons e dias ruins. Mas todos os dias existe alguém novo esperando encontrá-lo no aeroporto. “Essa pessoa pode fazer parte da minha vida só alguns minutos, enquanto está no meu carro. Ou pode ficar no meu coração o resto da vida... a gente nunca sabe, né? Então eu me preparo todo dia! Porque a qualquer momento eu posso conhecer alguém que pode ganhar meu coração”. Eu não sei se eu ganhei o coração do Álvaro. Mas ele certamente ganhou o meu. 

Se você botar reparo, vai perceber que só nos falta a plaquinha com o nome... Porque todos os dias conhecemos alguém novo, alguém que pode ganhar o nosso coração para sempre. E na maior parte do tempo, a gente não encara isso com a mesma alegria e expectativa do Álvaro. E aí eu resolvi contar esta história hoje (prestes a ficar longe de um bocado de gente eu amo), porque só agora me dei conta da quantidade de pessoas que ganhou meu coração nos últimos 12 anos. Gente que todo dia ocupa um pedacinho da minha vida e que vai fazer uma falta danada...


Tem uma música do Milton Nascimento que diz: e assim, chegar e partir são só dois lados da mesma viagem. Para não ficar matutando sobre o que estou deixando prá trás, fiz um trato comigo: ao invés de pensar na tristeza da partida, vou fazer como o Álvaro e viver a expectativa da chegada. Mesmo sem "plaquinha na mão", comecei a me preparar para conhecer aqueles que a qualquer momento podem ganhar meu coração em outro lugar. Mas vou já morrendo de saudades. Sabendo que o que "conta mesmo" é saber que tem alguém ali na sala de espera com os braços abertos, cheios de saudade esperando por você. E isso ganha o coração da gente por inteiro...


12 junho 2011

Poeminha Amoroso

No início do ano, durante uma viagem, carreguei comigo um livro da Cora Coralina. Um dos poemas dela, um tal "Poeminha Amoroso", ficou guardado durante meses dentro da minha agenda esperando a hora de sair. Não saiu. Mas como Vinícius e Toquinho disseram certa vez que "mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão" cá estamos, Cora e eu, fechando o bendito Dia dos Namorados com o poeminha que quase ficou esquecido. 

Nunca fui boa com declarações de amor. Gaguejo, fico sem graça e (veja você!), perco as palavras. Ainda bem que sempre há um poeta prá traduzir o que a gente sente. E neste caso, devo dizer, a simplicidade e doçura da caipira Cora Coralina, fizeram toda a diferença... 

Assim, "talvez tu possas entender".


"Este é um poema de amor
tão meigo, tão terno, tão teu... 
É uma oferenda aos teus momentos 
de luta e de brisa e de céu... 
E eu,  quero te servir a poesia
numa concha azul do mar  
ou numa cesta de flores do campo.  
Talvez tu possas entender o meu amor.  
Mas se isso não acontecer,  
não importa.  
Já está declarado e estampado  
nas linhas e entrelinhas  
deste pequeno poema,  
o verso;  
o tão famoso e inesperado verso 
que  te deixará pasmo, surpreso, perplexo...  
eu te amo, perdoa-me, eu te amo..."

Na foto, os avós do fotógrafo americano Scott Schuman. A foto foi feita na França no início da década de 50, meses antes deles se casarem e ficarem juntos por mais de 40 anos

09 junho 2011

Redemoinho

"O redemoinho é para desacomodar as coisas, arranjando o desarranjado, e desarranjando o arranjado". José Oswaldo Guimarães*

Vai ver é isso: um redemoinho passou por aqui e eu nem vi. Porque pelo que eu lembro os redemoinhos são assim mesmo: rápidos e ligeiros.

Ainda criança, a gente vivia correndo atrás daqueles redemoinhos que se formavam no meio do terreiro da fazenda. Os peões diziam que era saci fazendo festa. Mas prá gente nem interessava o que era. A criançada queria era alcançar e entrar bem no meio do tal redemoinho que rodava, rodava e de repente sumia, tão rápido quanto tinha aparecido.

Agora, depois de grande, tenho a impressão que eu finalmente consegui entrar dentro do bendito redemoinho. E moço... que bagunça esse danado faz! Outro dia mesmo passou um por aqui levantando poeira e as folhas que já estavam assentadas. Fez sujeira, bagunçou o que já era certo e sumiu. Não deu tempo nem de ver pra que lado!

Depois daquela ventania toda eu juntei as folhas novamente, tirei daqui, coloquei dali. Sei não... mas parece que continua tudo fora do lugar. Mas pelo rumo do vento, acho vem outro redemoinho por ai. Então agora é esperar. Quem sabe no próximo "o desarranjado volte a se arranjar?" =)


*José Oswaldo Guimarães é Presidente da Associação Nacional dos Criadores de Saci

02 junho 2011

Ruminando

Tem um punhado de músicas que eu só fui entender depois de grande. Era engraçado porque por um bom tempo eu criava as minhas próprias versões. De vez em quando eu inventava umas duas (ou dez) palavras novas para substituir as originais que eu não entendia. Aí sim... na “minha versão” eu entendia tudo, era uma beleza! Na maior parte do tempo eu sabia que estava cantando errado. E mesmo depois que alguém me corrigia, se na “minha versão” a música tivesse ficado mais bonita (prá mim, claro!), eu acabava optando por ela. Ainda faço isso até hoje. Só não conto (nem canto) prá ninguém. =)

Foi assim que eu arrumei uma “ração estragada” para a música do Boldrin...


Ri sozinha lembrando isso hoje. Voltando de uma apresentação do Ricardo Vignini e do Zé Helder, coloquei o som baixinho e “Vide, vida marvada” foi a primeira música que tocou. Engraçado porque a palavra mais difícil na música era justamente a que eu melhor entendia: “ruminando”.


Para o caboclo, isso é coisa de bicho. "Ruminar" é tornar a mastigar, remoer os alimentos que voltam do estômago para a boca. Nojento, né? Eu também achava quando era criança. Mas espia só prá isso: depois de grande descobri que não era só boi e vaca que ruminavam. "Gente" também perde um bocado de tempo remoendo, remascando, remastigando e matutando as ideias. A coisa vai e volta... e a gente nem sempre consegue engolir o assunto e pronto.

Hoje mesmo, enquanto eu ouvia o Boldrin, eu ruminei um par de horas sobre uma história que podia até virar uma moda de viola, de tão comprida. Tem um pedaço desta moda que precisa de uma versão nova, igual as que eu fazia quando era criança. Mas moço... não sai de jeito nenhum! 

Na música do Boldrin, “diz que ruminando dá pra ser feliz”. Então tá, vou ali ruminar mais um bocadinho e depois eu conto procês como é que ficou essa moda...
 

25 maio 2011

Proseia que eu te escuto


A cozinha da casa dos meus pais sempre foi um lugar movimentado. O dia todo você encontra alguém ali tomando um café, colocando a conversa em dia, comendo um pedaço de bolo ou biscoito, levando bronca ou ouvindo um conselho.

Por isso não era difícil de vez em quando a gente pegar o rabicho de uma conversa, de uma piada ou de um causo qualquer. Foi assim que um dia ouvi meu pai afirmando para um peão: “não... falar não adianta! Tem é que chamar o sujeito prá prosa". Lembrei dessa história hoje porque passei boa parte do dia proseando. E meu pai estava certo – falar é diferente de prosear.

A Lya Luft diz que “a boa prosa tem em suas entrelinhas um vento de poesia”. Acho que é esse vento danado que faz as palavras saírem mais leves na hora da prosa, sem dar tempo prá gente ficar discutindo quem está certo ou errado. Proseando a gente escuta mais. E a prosa – que pode ser séria ou só um causo ligeiro – parece que clareia melhor as coisas.

Tem uma moda do Tião Carreiro e Pardinho que afirma: tem prosa que nem precisa de palavras...

"No meio da passarada 
por sinal os dois proseia"

Olha que lindo isso! Tem gente que fica tão aflita porque tem que conversar, que explicar, que entender, e justificar, e responder... Eu, se fosse você, arrumava um tempinho prá dois dedo de prosa, viu? Funciona que é uma beleza!

“...e me pergunto já em prosa: existe coisa mais gostosa?”
Fábio Alexandre Sexugi, poeta paranaense e, assim como eu, beberrão de café

24 maio 2011

Caramelo e chocolate


Quem tem criança em casa sabe que vez ou outra a gente precisa ter uma “moeda de troca”. Em casa, por exemplo, a moeda de troca era a balinha Toffee, que minha avó sempre tinha no armário. “Não comeu tudo? Fez birra prá tomar banho? Subiu na caixa d’água escondido?” Sempre existia um motivo para negociar a tal bala Toffee! =)

Mas o que matava mesmo era escolher o sabor da bala... Eram sempre dois, na maioria das vezes, caramelo e chocolate. Eu amava a de chocolate! Mas sempre ficava na dúvida entre uma e outra porque se me arrependesse, teria que esperar até o dia seguinte para escolher outra vez.

Aí eu cresci. E ainda amo a bendita bala Toffee de chocolate. E até hoje sofro um bocadinho toda vez que eu tenho que escolher entre uma coisa e outra. Parece até que eu escuto minha vó dizendo: “escolhe só uma, as duas não pode”. Esse “não pode” é que mata...

Tem uma moda do Vieira e Vieirinha que eu ouvi ainda agorinha (opa... rimou!), que conta a história do patrão que oferece uma das três filhas para o caboclo casar. E o peão responde ligeiro:

"Eu ficava pensativo sem ter o que falá
Prá mim, ai... não tem escoia! Todas elas são iguá!" 

Olha prá isso... são nada! É só escolher uma e eu aposto que o peão ia ficar pensando se não tinha feito a escolha errada. Porque escolher entre um sabor e outro é um privilégio! O diabo é ter que renunciar um deles, entendeu? Depois de grande a gente já não tem mais tempo de esperar o dia seguinte para escolher de novo. E se você escolhe a bala Toffee errada?

Fiquei matutando sobre isso agora a noite enquanto voltava prá casa. Parei num boteco e enchi o bolso de bala – todas de chocolate! A bala grudou no dente, depois no céu da boca e eu tive que fazer um monte de caretas para arrancar um pedaço dela que ficou pregado lá no cantinho... Mas moço, eita bala gostosa!

Confesso que ainda dá um frio na barriga na hora de escolher o sabor da balinha. Mas depois de escolhido, se você souber curtir cada pedacinho da bala (até aqueles que dão trabalho e ficam grudados no dente!), nem vai lembrar que a dúvida existiu antes. No final das contas, minha avó é que tinha razão: “as duas, não pode”. Se não, que graça tem? =)

01 maio 2011

Piscada

Há certas coisas sobre as quais eu não gosto de falar. Nem ouvir. O problema é que ignorar não faz as coisas simplesmente deixarem de existir. E aí, semana passada, duas pessoas que eu amava muito viajaram fora do combinado e me deixaram mesmo – literalmente – sem palavras.

Eu escrevi alguns pares de linhas sobre isso. Mas decidi não ficar me alongando muito sobre o assunto porque o que conta mesmo é que os dois, cada um ao seu jeito, vão fazer tanta falta que não há o que escrever para explicar isso.

Só resolvi mesmo postar alguma coisa porque hoje, falando com uma antiga aluna, me lembrei de um texto do Monteiro Lobato. É um trecho do livro “Memórias de Emília” que (por incrível que pareça) eu li durante a faculdade e não enquanto acreditava que o Visconde de Sabugosa existia mesmo.  

“A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais. A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama. Pisca e anda. Pisca e brinca. Pisca e estuda. Pisca e ama. Pisca e cria filhos. Pisca e geme os reumatismos. Por fim, pisca pela última vez e morre.”


Tem hora que fica custoso piscar. Mas a gente continua porque não tem outro jeito, tem? É verdade que tem semana que a piscada fica mais doída. Mas aí a gente pisca e dorme, pisca e acorda, pisca e ama, pisca e descobre que piscar é rápido demais prá perder tempo tentando entender a piscada...

Acho que é isso. Pisque daí se você concorda comigo!

"Vivo depois quando o agora chegouFechei os meus olhos e a vida piscou(Mutantes)

23 abril 2011

Canarinho prisioneiro


Canarinho Prisioneiro
(Composição: Ramoncito Gomes)

Sou aquele canarinho que cantou em seu terreno
Em frente sua janela eu cantava o dia inteiro
Depois fui pra uma gaiola e me fizeram prisioneiro
Me levaram pra cidade, me trocaram por dinheiro
No porão daquele prédio era onde eu morava
Me insultavam pra cantar mas de tristeza eu não cantava
Naquele viver de preso muitas vezes imaginava
Um dia de tardezinha veio a filha do patrão
Me viu naquela tristeza e comoveu seu coração
Abriu a porta da grade me tirando da prisão
Vá-se embora canarinho, vá cantar no seu sertão
Hoje estou aqui de volta desde a alta madrugada
Anunciando o entardecer e o romper da alvorada
Sobrevoando a floresta e alegrando a minha amada
Bem feliz por ter voltado, pra minha velha morada

20 abril 2011

Um Alvarenga e três Ranchinho



Eles não eram apenas uma dupla caipira (muito boa!), eram humoristas de primeira! A história de Alvarenga e Ranchinho começou em 1929. Aliás, é bom registrar, houveram três "Ranchinho". Apesar de caipiras (espia só!), a dupla gravou o primeiro compacto, em 1936, apenas com músicas de carnaval. E foi trabalhando no Cassino da Urca, no Rio de Janeiro - onde ficaram 10 anos -, que aprimoraram o talento para a sátira política. Por conta disso, participaram de dezenas de campanhas eleitorais e mais de 30 filmes. Em 1978, com a Morte de Alvarenga, a cantoria terminou. Mas as letras e o bom humor da dupla vivem até hoje! =)

18 abril 2011

Sete mil amores

Luiza... e o pirulito


Toda vez que eu encontro a tia Eda é a mesma cena: ela abraça, beija, abraça de novo, aperta, beija mais um pouco e fala: "mas por que é que a gente ama tanto desse jeito, meu Deus?". Toda vez eu acho graça e toda vez eu fico dolorida (rs). Mas a gente fica tanto tempo longe, tanto tempo sem se ver, que esse "aperto" todo vale mesmo a pena.

Bom... aí o mês de abril nem começou e pronto: já acabou. Passou tão ligeiro que eu nem tive tempo de esticar a prosa aqui. Mas o relógio resolveu colaborar e no meio da correria eu parei um bocadinho prá brincar com a Luiza, minha sobrinha. Foi rapidinho, mas valeu a semana inteirinha longe de casa!

Depois de comer muita gelatina e inventar um castelo inteiro de massinha, comecei a me preparar para sair “de mansinho” e encarar o bico da Luiza (que além do olho "apertado", herdou de mim também a aversão em dizer “tchau”). E ali, já quase no portão, a Luiza pulou no meu colo e cochichou: “bença madrinha?”. Moço, o coração ficou pequenininho nesta hora... e quase que o “Deus te abençoe” não saiu.

Deixa eu explicar: pedir “a bênção” em casa é um negócio tão natural que a gente nem se dá conta que faz. Espia prá isso: outro dia, meu irmão fez história na família pedindo “bença” para meu pai no MSN. Meu pai achou graça, mas lá do outro lado respondeu: “Deus te abençoe”. No sítio a gente cansou de ver minha avó abençoando os filhos dos peões na fazenda. E nem sei quantas vezes por dia eu mesma pedia "bença" para ela. Mas sabe como é criança, né? A gente pedia a bênção, saia correndo e já estava na porteira quando ouvia lá longe o "Deus te abençoe". Mas aí de repente, com a Luiza ali no meu colo, esse negócio de "dar a benção" ficou sério. 

Eu cochichei de volta no ouvido dela: "Deus te abençoe" e ela já desceu correndo do colo. Tropeçou no tapete, derrubou o vaso da mãe dela que estava perto e foi ligeira para o quarto enquanto ninguém via aquela arte. E eu fiquei ali mais um pedacinho de tempo rindo e lembrando da tia Eda: "por que é que a gente ama tanto desse jeito?". Lembrei também do Jobim e foi por conta dele (que está cantando agora na minha vitrola), e da Luiza, que eu resolvi arrumar mais cinco minutos hoje prá escrever: "revelando então os sete mil amores que eu guardei somente prá te dar Luiza"... =)







♫♪ Revelando então os sete mil amores que eu guardei somente pra te dar Luiza... ♫♪

31 março 2011

O menino que sabia voar

Pequeno John me ajudando a sair do chão... sem asas!


“...porque o vôo já nasce dentro dos pássaros.
O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado”.
Rubem Alves


Quando o João nasceu foi uma festa. Papai dizia que ele era o homenzinho da casa. Mamãe dizia que ele era seu maior tesouro. E vovó dizia que ele era seu coração. E ele era mesmo tudo isso. E era também diferente de todas as outras crianças. O João não cresceu como os outros meninos - ele aprendia as coisas de um jeito diferente. Mas depois que aprendia, não esquecia nunca mais! Exemplo? João aprendeu a andar do seu jeito: um passo de cada vez, um passo por dia, 365 pequenos passos por ano... cada passo valendo uma corrida inteirinha prá gente! E quando finalmente todos os passos ficaram completos, os pés do João ganharam asas!

É sério! Eu descobri ainda menina que o João podia voar sobre as calçadas e avenidas. Corria tão rápido que nenhum outro menino o alcançava. Todo mundo dizia: “Parece que esse menino tem asas, minha gente!”. E ele tinha. E foi assim também quando ele aprendeu a falar. O João, que nunca falava nada, de repente sempre tinha alguma coisa para dizer. Parecia até que as palavras também tinham criado asas e iam saindo, uma depois da outra, ligeiras. Tinha dia que as palavras iam longe buscar respostas e quando voltavam da viagem, voltavam mais completas!

Eu cresci vendo o João ir cada vez mais longe e ensinando a gente a voar junto com ele. Mas ele voava melhor que todo mundo! E vez ou outra, quando ele queria voar sozinho, voava por histórias que só ele mesmo conhecia: histórias de princesas, príncipes, exércitos e dragões. Lugares tão distantes e tão incríveis, que só mesmo tendo asas para conhecer. E João era o menino que tinha asas. E ele voou tanto que quase todo mundo já tinha ouvido falar dele um dia. E todo mundo pensava: “como deve ser bom ter asas como o João”.

O que ninguém sabia é que o João não era diferente coisa nenhuma! Ele sabia que todo mundo podia ter asas - o problema é que nem todo mundo aprendia a voar. Acho que é por isso que meninos como ele existem: para mostrar aos outros meninos (aqueles que acham que não têm asas), que voar é mais fácil que parece.
Aí hoje acordei pensando: deve ser por isso que o João resolveu não crescer, virar "gente grande". Para continuar voando por aí, contando suas histórias, falando aos quatro ventos, apostando corrida com os passarinhos...

De vez em quando a gente escuta alguém dizer: “você já viu aquele menino que tem asas?”. E então sabemos que o João passou por ali ensinando mais alguém a voar...

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Para o "meu Pequeno Jonh", que eu amo tanto... tanto! E que ama tanto sem pedir nada em troca.

28 março 2011

Helianto


Em algumas regiões da Europa acredita-se que para se ter sorte são necessários onze girassóis. Aí ontem chegou por aqui um cartão lindo, cheio das flores que eu mais gosto: “11 heliantos para dar sorte prá quem vive distribuindo sorte por aí”.


Não sei se os “heliantos” vão dar sorte, mas sem dúvida deixaram o dia bem mais contente e me fizeram lembrar uma canção de criança: “sempre que o sol pinta de anil todo o céu, o girassol fica um gentil carrossel”. Fiquei com essa música o dia inteiro na cabeça, indo e voltando – igual a um carrossel mesmo! (rs)


Você já viu uma plantação de girassol? Se não viu eu vou te contar: é uma das coisas mais lindas que existe. Um tapete amarelinho... tão grande que parece acabar mesmo só quando encontra o céu bem lá na frente. É bonito de verdade! Tão bonito que mesmo depois de anos sem ver uma plantação dessas, eu ainda lembro (sempre!) das flores acompanhando a trajetória do sol e como isso me deixava encantada.


Há uns 8 anos, voltando de férias, eu parei no meio da estrada, subi em cima do carro e fiz uma foto da plantação de girassol que ia ficando para trás. Achei que era justo, já que um pedacinho de mim ficava ali toda vez que eu ia embora, levar um pedacinho da plantação comigo. A foto nunca diminuiu a saudade de casa. Mas fica dentro da minha agenda até hoje! =)


Confesso que mesmo gostando tanto de girassol, nunca botei fé nesta história do tal “helianto” dar sorte. Pelo sim, pelo não, guardei o cartão junto com a foto dentro da agenda e verdade seja dita o cartão, “marelinho como o sol”, me fez rir um bocadinho mais hoje!

***O girassol aí em cima foi presente da Thais... valeu, irmã! =)

19 março 2011

Fogo, fome e alegria

Eu sou péssima na cozinha. Me viro bem com frases, pontos e vírgulas. Mas com panelas... vichi! Vez ou outra eu arrisco. E vez ou outra sai alguma coisa boa. Mesmo assim a cozinha é um dos lugares que eu mais gosto na minha casa. É de longe o cômodo que eu passo menos tempo, mas quando a casa esta cheia de gente, a cozinha é sem dúvida alguma o lugar mais disputado. Segundo o Rubem Alves, na cozinha “a gente é a gente mesmo: fogo, fome e alegria” (eu adoro esta frase!).

Lá de onde eu venho o pessoal tem um costume engraçado: ninguém convida um amigo ou um casal para jantar – convida para cozinhar. O negócio funciona assim: o pessoal chega cedo em casa. Enquanto alguém corta a cebola e o cheiro-verde bem miudinho, outro vai lavando o tomate e o arroz, temperando a carne, esquentando o forno. Aí um lembra um causo, outro retruca, alguém dá risada, tira o menino de perto do fogão... É só “uma janta”, mas parece uma festa.

Nos últimos dias estou vivendo uma paixão tardia pelo João Guimarães Rosa. E aí ontem de madrugada, enquanto esperava o sono, eu li: “a coisa não está nem na partida e nem na chegada, mas na travessia”. E não é? Olha só: eu odeio comer sozinha. Por isso não perco muito tempo cozinhando, não. Porque comer é a chegada – passa rapidinho! Mas quando existe um motivo para eu agradar alguém, não me importo em ir para a cozinha (mesmo quando o prato não dá certo! rs). Porque a travessia é longa e é a parte mais gostosa da “coisa”. É onde “a gente é a gente mesmo: fogo, fome e alegria”. Então é isso... viver a travessia. Dá trabalho. Mas é bom demais da conta, não? =)

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Não sou exatamente a maior fã do Gil. Mas acho essa música linda... E nem podia escolher outra hoje porque eu acho mesmo que "toda casinha feliz ainda cozinha no fogão de lenha..."

Casinha Feliz
Gilberto Gil

Onde resiste o sertão
Toda casinha feliz
Ainda é vizinha de um riacho
Ainda tem seu pé de caramanchão

Onde resiste o sertão
Toda casinha feliz
Ainda cozinha no fogão de lenha
Ou fogareiro de carvão

De dia, Diadorim
De noite, estrela sem fim
É o Grande Sertão: Veredas
Reino da Jabuticaba
As minas de Guimarães Rosa
De ouro que não se acaba

Onde resiste o sertão
Toda casinha é feliz
Porque à tardinha tem Ave Maria
E o beijo da solidão

13 março 2011

Sotaque blues

Mais do Ricardo Vignini. Nesta versão de Cross roads, de Robert Johnson, além do Vignini tem também Mingo Jacob, Sergio Duarte, Celso Salim e Entidade Joe. Prá ouvir e ouvir de novo, e de novo, e de novo... =)

Boa semana procês!!!


11 março 2011

Retrato descorado

De tempos em tempos passavam alguns peões na fazenda. Eles chegavam, iam embora. Depois vinham outros, iam embora também. Não tinham parada – tinham um “pouso”, que mudava conforme a necessidade. Era gente muito simples, de lida pesada e dura – dura de verdade; nada parecido com o que você e eu achamos difícil hoje.

Foi tanta gente que passou pela fazenda que eu já esqueci o rosto e o nome de boa parte deles. O que marcou mesmo foi uma coisa que eu invejo até hoje: a intimidade destes caboclos com a água, com as pedras e a chuva; com o vento, o chão e o sol... Uma intimidade que para mim era a própria liberdade.

Nos últimos meses tenho me sentido bem parecida com os peões da fazenda: cada semana um pouso diferente. Aí pensando nisso lembrei de uma música do Dino Franco: “Velho pouso da boiada”. Eu não lembrava direito a letra e fui ouvir. Acho que era mesmo para eu escutar isso hoje:

“Numa tardinha fui andando por aí,
Coincidiu que eu descobri pedacinhos de saudade”

Eu lembrei desta história dos peões agora a noite enquanto organizava algumas fotos que fiz do que sobrou da antiga casa da fazenda onde eu cresci – “um velho pouso de boiada”. Ali a liberdade eram os caminhos que apareciam nos trieiros do quintal e do pasto. Era a madrugada desaparecendo no curral. Era o clarão do lampião no quintal alumiando as conversas. Era o beija-flor que morava em cima da minha rede no paiol. A liberdade era o tempo todo. Isso ficou em mim pequena, mas não ficou em mim gente grande...

Agora liberdade é de vez em quando. Era de mês em mês, agora é de ano em ano. Liberdade são os caminhos que não chegam, o pouso que passa apressado demais para eu prestar atenção. É o telefone que não aquieta, o sono que não chega e a saudade que vai apertando, apertando... Tudo igualzinho a um retrato descorado”...


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E prá fechar a semana, um caipira da cidade grande: Jessé. A composição é da Eunice Barbosa, Mário Maranhão e Mário Marcos: "voa, voa minha liberdade; entra se eu te servir como morada
"...