28 fevereiro 2011

A arte de João Pacífico: prá ver e ouvir

Os vídeos abaixo são trechos de um programa (perfeito!) produzido pela TV Cultura. Com participações de Liu e Léo, Marisa e Osvaldinho Viana, Freddy e Maria Antonia, Otávio Augusto e Gabriel, Wilson Teixeira e Cláudio Lacerda, não sei ao certo quando foi exibido. Mas depois de assistir e me emocionar, não podia deixar de colocar aqui essa bonita homenagem a um dos maiores poetas que eu já ouvi... Com vocês, João Baptista da Silva - o João Pacífico.

Mosaicos - A Arte de João Pacífico (Parte 1)




Mosaicos - A Arte de João Pacífico (Parte 2)




Mosaicos - A Arte de João Pacífico (Parte 3)




Mosaicos - A Arte de João Pacífico (Parte 4)




Mosaicos - A Arte de João Pacífico (Parte 5)




Mosaicos - A Arte de João Pacífico (Parte 6)

Cor de Saudade

"Essa viola foi feita de um antigo banquinho, onde nós sempre sentava e passava as hora, juntinho
A cor dela é uma lembrança, faz lembrar seu vestidinho todo feito de ramado que também era cor de vinho

O dia que ela foi embora, tá marcado aqui no braço. Olhem bem na viola: vejam vancês quantos traço

Hoje eu quero cantar mas na tristeza embaraço
Misturo a dor da sodade no triste acorde que eu faço

Por isso a minha viola tem essa cor de tristeza. Prá mim é cor de sodade... os outros acham beleza

Quando ela roça meu peito, meu coração bem baixinho pergunta daquela cabocla que abandonou meu ranchinho..."



Cor de saudade: João Pacífico

18 fevereiro 2011

Só acaba quando acaba

Meu avô era violeiro e devoto de São Gonçalo. E “viajou fora do combinado” – como dizem os caipiras – há alguns anos, deixando muita saudade e uma história que eu adoro contar... Aí hoje, na fila do banco, escutei uma senhora dizendo: "só acaba quando acaba". Pronto! Era a deixa que eu precisava prá contar esta história que eu ouvi um bocado de vezes e não canso de passar prá frente! =)

Minha avó, dona Orlanda, era noiva. Morava em uma colônia, no interior de São Paulo, onde ajudava os pais na colheita de café. Meu avô? Bom, meu avô - o seo Tião - era como se diz no interior... um pouco “vida torta”. Tocava nos bailes da região, viajava pra lá e pra cá e tinha dois olhos azuis “que ninguém tinha igual” (palavras da dona Orlanda!).

Na primeira vez que se viram minha avó tinha apenas 13 anos. Meu avô, ao lado de um caixeiro-viajante, visitava as fazendas oferecendo serviços de conserto. Pelo destino ou pelo acaso, bem naquele dia a máquina de costura estava quebrada... De longe, um ficou espiando o outro pelo canto do olho. Mas foi coisa ligeira! Os dois só se encontraram novamente seis anos depois, num baile de São João. Ele tocava. Ela dançava com o Eduardo, o noivo. Vou encurtar a história – já que você deve ter adivinhado o final. Poucos meses depois o violeiro e a dona Orlanda se casaram. Tiveram cinco filhos, onze netos e dois bisnetos (por enquanto!).

"Só acaba quando acaba". E não é? Pense: há 50 anos noivado era coisa séria. Quem adivinharia que a dona Orlanda e o tal Eduardo não se casariam? E quem diria que o seo Tião ia abandonar a estrada e a vida de violeiro prá fincar raízes ali, no coração da minha avó?
Agora me diz: como é que a gente pode ter tanta certeza do fim da história se às vezes ela só tá começando? Eita mania de complicar as coisas... Eu ainda concordo com a Inezita: "complicar é sair da gente"...

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Prá fechar a semana, um trechinho de Com amor não se brinca, de Cascatinha e Inhana, em homenagem ao violeiro Tião Freire e a dona Orlanda que mesmo depois de 57 anos juntos, só andavam de mãos dadas e ainda sentiam ciúme um do outro.


"Quem tem alegria, de noite e de dia
Quem não sofreu, meu senhor,
Não sabe nada do amor!
O amor é danado, não escapa ninguém
Vem mascarado e nunca avisa quando vem

Ai, meu senhor, com o amor não se deve brincar não
Ai, meu senhor, eu fui brincar machuquei meu coração"

17 fevereiro 2011

O caipira não complica

"O caipira não complica porque complicar é sair da gente.
Eu não saio não!"

Inezita Barroso


15 fevereiro 2011

Moda de Viola... Digo! De Rock...


Vez ou outra alguém pergunta abismado: "mas como assim você gosta de música caipira?". Gosto, uai. Aliás, gosto de música, diga-se de passagem. É verdade que tem uma ou outra moda que não me agrada não. Mas música é música. E eu tive a sorte de ouvir, desde muito pequena, meu pai misturando o vinil do Cascatinha e Inhana com o do Românticos de Cuba; Gigliola Cinquetti de vez em quando conversava com o Chico Buarque; e o ABBA, vejam vocês, tinha tudo a ver com Demônios da Garoa... (rs)
Meu pai me apresentou The Beatles e Raul Seixas. Em troca, o fiz escutar Legião Urbana e Nirvana (isso só aconteceu duas vezes, é verdade, mas ele garante que gostou!).

Essa mistura de gêneros e gostos musicais sempre foi muito normal em casa. Por isso nunca entendi porque tinha que ser um ou outro... Não dá para escutar dois de uma vez só? Bom, agora dá!

O CD Moda de Rock - Viola Extrema é o novo álbum dos violeiros Ricardo Vignini e Zé Helder - puro metal, mas apenas com violas. Moço... ficou MUITO bom! O álbum foi remasterizado no famoso estúdio Abbey Road (sim, aquele dos Beatles!), a produção ficou a cargo de Ricardo Vignini e o lançamento é pelo selo Folguedo. O CD pode ser adquirido no site oficial do projeto: www.modaderock.com.br.

"O caboclo da roça, que nunca ouviu heavy metal, vai achar que está ouvindo uma moda de viola mais elaborada", brinca Vignini.
"O público do heavy metal é igual ao da moda de viola. Ambos são radicais e colecionadores".

Dá prá espiar como ficaram as modas no Youtube. Mas vale a pena conferir o CD com calma, sem pressa, ouvindo cada batida... da viola! =) Prá fechar, a releitura de Kashmir, do Led Zeppelin, que ficou simplesmente per-fei-ta! Espia só...


Tracklist Moda de Rock - Viola Extrema

01. Kashmir (Led Zeppelin)
02. Master of Puppets
(Metallica)
03. Norwegian Wood (The Beatles)
04. In the Flesh (Pink Floyd)
05. Kaiowas (Sepultura)
06. May this be Love (Jimi Hendrix)
07. Aces High (Iron Maiden)
08. Mr. Crowley (Ozzy Osbourne)
09. Smell Like Teen Spirit (Nirvana)
10. Hangar 18 (Megadeth)
11. Aqualung (Jethro Tull)

13 fevereiro 2011

Desemaranhar

Há poucos minutos de onde moro há um antiquário incrível. Não só pelas peças que ficam expostas, mas pelo lugar como um todo. Afastado da cidade, tem um pequeno café em uma casa antiga que foi restaurada e um lago bem tranquilo, cheio de patos, onde as pessoas passam o dia inteiro lendo, comendo, conversando... É realmente muito bonito.

Mas o que eu ia contar mesmo é que outro dia estive por lá e passei pelas salas e móveis que eu já conhecia tão bem – alguns estão lá há anos, como se nunca tivessem pertencido a outro lugar. E entre uma espiada e outra, parei bem em frente a uma peça nova: um tear.

Não é engraçado quando você se depara com uma lembrança que tinha ficado escondida? Parece uma fotografia amarelada que de repente ganha cor de novo. Foi assim como tear! Em poucos segundos eu me lembrei da sala, do cheiro e do barulho dos fios nas mãos rápidas da Dona Marta, uma senhora já muito idosa que foi nossa vizinha em Goiás. Isso faz muito tempo... Tanto, que eu nem lembrava mais.

Se você nunca viu um tear, pode parar um pouquinho para perguntar ao Google. =) Mas posso adiantar que trata-se de algo muito simples. Se você souber o que está fazendo, vai precisar apenas de tempo e um conjunto de fios. E assim, aos poucos, vai poder ir entrelaçamento tudo de maneira ordenada, unindo cores e formas. Eu me lembro de sentar ao lado da Dona Marta e ficar olhando aquela bagunça de fios. E me lembro de como ficava impressionada com a rapidez com que ela transformava aquele emaranhado de linhas em algo tão bonito...

E aí o tear me fez lembrar a Dona Marta e a Dona Marta me fez lembrar o Pereira da viola. Conheci o Pereira em 2002, quando estava terminando a faculdade. Ele, ao lado de um grande amigo – o flaustista Célio Sene –, me proporcionou momentos únicos neste mundo de violas, ponteios e cantoria. É dele a composição “tear”, uma delicada declaração de amor caipira:


“Sorte de mim que amarrei os meus cabelos

No tear que tens nos dedos pra tecer o nosso amor

(...) e mesmo assim, sendo só semente em flor

Replantei um pé de amor no coração de ocê”


A Dona Marta e o Pereira, cada um ao seu jeito, teceram coisas que hoje fazem parte da minha história. Ela com fios e linhas, ele com letras e melodias... Eu não tenho dom para trabalhos manuais. Tão pouco para a música – que o diga meu professor de viola depois de tantas tentativas frustradas. Mas cá prá nós, acho que você e eu até poderíamos tentar tecer alguma coisa.

Quando eu falava que a cesta de linhas estava uma bagunça, a Dona Marta - com toda a ciência de quem já viveu - explicava: "é só desemaranhá as linha, fia". É verdade que parecia bem mais fácil naquela época. Mas acho que ainda dá tempo prá desemaranhar nossa vida... E olha que beleza: a gente nem precisa do tear... Só precisa querer.

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Prá matar a saudade deste amigo querido, a minha preferida do Pereira: Menina Flor.

E prá botar reparo nas modas do Pereira da Viola, é fácil! E só dar uma passada por aqui: http://www.pereiradaviola.com.br/

12 fevereiro 2011

O mundo das pequenas coisas

Tenho em casa um baú cheio de revistas. E não é só modo de falar não... Ele está cheio mesmo! Já tentaram me convencer a jogar tudo fora ou doar para um sebo. Pode um negócio desse? Doar... Até parece!

Vez ou outra eu abro o baú e perco alguns bons minutos ali procurando uma matéria, uma referência, uma entrevista. E aí me perco... Porque uma coisa puxa outra, e outra, e outra... Ontem, por exemplo, achei sem querer uma reportagem sobre o poeta Manoel de Barros – que eu amo! Aprendi com ele o “manuelês”: um jeito simples e delicado de descrever o mundo que nos cerca.

O jornalista que escreveu a matéria se referia ao mundo do poeta como “o mundo das pequenas coisas”. Fiquei matutando sobre alguns trechos da reportagem um bocado de tempo. E foi aí que voltei a escrever. Porque nos últimos meses me faltou muita coisa – paciência, tempo, calma. Faltou dar mais carinho, mais atenção... Estas coisas que fazem parte do “mundo das pequenas coisas” e a gente não se dá conta. Passei a olhar tantas coisas grandes e me esqueci (sei lá porque...) que são justamente as pequenas que valem a pena. São elas, no final das contas, que me fazem sentar e sentir vontade de escrever.

"O cisco tem agora para mim uma importância de catedral".
Manoel de Barros

Quando eu era criança a gente só andava descalço. E corre aqui, corre ali... não tinha jeito. Uma hora topava o dedão em uma pedra ou num toco escondido na grama. Na maior parte do tempo nem parava prá ver o estrago, continuava correndo e pronto. Mas em alguns momentos doía tanto, que por mais que a vontade de correr fosse imensa, eu tinha que parar, olhar e marcar bem o caminho para não tropeçar ali de novo. Dava certo... Vamos ver se ainda funciona! =)


Prá entender melhor o “manuelês”
  • O Livro das Ignorãças, Manoel de Barros, Record
  • Poemas Rupestres, Manoel de Barros, Record
  • Livro sobre Nada, Manoel de Barros, Record


Pequenas coisas
César de Mercês e Sérgio Magrão

Trago um pedaço da noite
Junto comigo
Bebo outro gole, outra chuva
Corro perigo
Cada instante que ouço bater
Meu coração dentro de mim
Ouço as palavras do vento
Me confessar
Que desde o início dos tempos
Busca chegar
Onde possa se transformar
Numa brisa
Para transportar e guardar
O perfume das flores
Os pequenos murmúrios
Folhas tristes do outono
E o jeito do amor
Sigo no rumo da manhã
Rindo sozinho
Dos pensamentos que tenho
Com festa e vinho
O ar da noite - sopro de vida
Me lembrando
O que eu esqueço existir

11 fevereiro 2011

Tocando saudade...

Quando chegava o final do dia, ele sentava na beirada do banco de madeira no canto do alpendre e ficava ali, olhando o céu passar do azul para o cor-de-rosa, anil, púrpura... Era uma confusão de cores. Todo dia o céu dava um show diferente. E todo dia ele ficava ali até o céu escurecer de vez.

Enquanto a noite ia roubando a luz do dia, o peito do caboclo ia ficando apertado. Quase não deixava o pobre respirar. O coração parecia que dava um nó, a barriga ficava esquisita. E aquela coisa estranha na garganta, uma vontade de não sei o quê...

Toda noite era assim. A luz amarela do lampião parecia alumiar a solidão do caipira, que só fazia lembrar da sua cabocla. Quanto tempo fazia ele nem lembrava mais. Dizem que a saudade faz as coisas pararem no tempo. E quando a saudade já não cabia mais na cama ele levantava, pegava a violinha e ia para o terreiro tocar sua paixão. O ponteio da viola tomava conta da noite e invadia a madrugada. E ele tocava.

Cada toque era uma saudade. Saudade do abraço que encaixava no seu peito. Saudade do pé dela procurando enroscar no seu enquanto dormia. Do cheiro que ficava na cama quando ela levantava. Das roupas penduradas pela casa. Saudade da voz, da risada, do colo que agora ele sabia, era seu lugar preferido no mundo inteiro. E do beijo. Moço... Quanta saudade...

A viola chorava pedindo prá chegar logo o dia. E quando o céu ia clareando, a saudade não diminuía. Só ficava escondida, como a escuridão da noite. E voltava no final da tarde quando começava de novo a confusão no céu e no coração do caipira. "Vai saber...", pensava ele. "Uma hora a felicidade volta...". E enquanto esperava ele tocava. Tocava toda sua saudade...