31 março 2011

O menino que sabia voar

Pequeno John me ajudando a sair do chão... sem asas!


“...porque o vôo já nasce dentro dos pássaros.
O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado”.
Rubem Alves


Quando o João nasceu foi uma festa. Papai dizia que ele era o homenzinho da casa. Mamãe dizia que ele era seu maior tesouro. E vovó dizia que ele era seu coração. E ele era mesmo tudo isso. E era também diferente de todas as outras crianças. O João não cresceu como os outros meninos - ele aprendia as coisas de um jeito diferente. Mas depois que aprendia, não esquecia nunca mais! Exemplo? João aprendeu a andar do seu jeito: um passo de cada vez, um passo por dia, 365 pequenos passos por ano... cada passo valendo uma corrida inteirinha prá gente! E quando finalmente todos os passos ficaram completos, os pés do João ganharam asas!

É sério! Eu descobri ainda menina que o João podia voar sobre as calçadas e avenidas. Corria tão rápido que nenhum outro menino o alcançava. Todo mundo dizia: “Parece que esse menino tem asas, minha gente!”. E ele tinha. E foi assim também quando ele aprendeu a falar. O João, que nunca falava nada, de repente sempre tinha alguma coisa para dizer. Parecia até que as palavras também tinham criado asas e iam saindo, uma depois da outra, ligeiras. Tinha dia que as palavras iam longe buscar respostas e quando voltavam da viagem, voltavam mais completas!

Eu cresci vendo o João ir cada vez mais longe e ensinando a gente a voar junto com ele. Mas ele voava melhor que todo mundo! E vez ou outra, quando ele queria voar sozinho, voava por histórias que só ele mesmo conhecia: histórias de princesas, príncipes, exércitos e dragões. Lugares tão distantes e tão incríveis, que só mesmo tendo asas para conhecer. E João era o menino que tinha asas. E ele voou tanto que quase todo mundo já tinha ouvido falar dele um dia. E todo mundo pensava: “como deve ser bom ter asas como o João”.

O que ninguém sabia é que o João não era diferente coisa nenhuma! Ele sabia que todo mundo podia ter asas - o problema é que nem todo mundo aprendia a voar. Acho que é por isso que meninos como ele existem: para mostrar aos outros meninos (aqueles que acham que não têm asas), que voar é mais fácil que parece.
Aí hoje acordei pensando: deve ser por isso que o João resolveu não crescer, virar "gente grande". Para continuar voando por aí, contando suas histórias, falando aos quatro ventos, apostando corrida com os passarinhos...

De vez em quando a gente escuta alguém dizer: “você já viu aquele menino que tem asas?”. E então sabemos que o João passou por ali ensinando mais alguém a voar...

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Para o "meu Pequeno Jonh", que eu amo tanto... tanto! E que ama tanto sem pedir nada em troca.

28 março 2011

Helianto


Em algumas regiões da Europa acredita-se que para se ter sorte são necessários onze girassóis. Aí ontem chegou por aqui um cartão lindo, cheio das flores que eu mais gosto: “11 heliantos para dar sorte prá quem vive distribuindo sorte por aí”.


Não sei se os “heliantos” vão dar sorte, mas sem dúvida deixaram o dia bem mais contente e me fizeram lembrar uma canção de criança: “sempre que o sol pinta de anil todo o céu, o girassol fica um gentil carrossel”. Fiquei com essa música o dia inteiro na cabeça, indo e voltando – igual a um carrossel mesmo! (rs)


Você já viu uma plantação de girassol? Se não viu eu vou te contar: é uma das coisas mais lindas que existe. Um tapete amarelinho... tão grande que parece acabar mesmo só quando encontra o céu bem lá na frente. É bonito de verdade! Tão bonito que mesmo depois de anos sem ver uma plantação dessas, eu ainda lembro (sempre!) das flores acompanhando a trajetória do sol e como isso me deixava encantada.


Há uns 8 anos, voltando de férias, eu parei no meio da estrada, subi em cima do carro e fiz uma foto da plantação de girassol que ia ficando para trás. Achei que era justo, já que um pedacinho de mim ficava ali toda vez que eu ia embora, levar um pedacinho da plantação comigo. A foto nunca diminuiu a saudade de casa. Mas fica dentro da minha agenda até hoje! =)


Confesso que mesmo gostando tanto de girassol, nunca botei fé nesta história do tal “helianto” dar sorte. Pelo sim, pelo não, guardei o cartão junto com a foto dentro da agenda e verdade seja dita o cartão, “marelinho como o sol”, me fez rir um bocadinho mais hoje!

***O girassol aí em cima foi presente da Thais... valeu, irmã! =)

19 março 2011

Fogo, fome e alegria

Eu sou péssima na cozinha. Me viro bem com frases, pontos e vírgulas. Mas com panelas... vichi! Vez ou outra eu arrisco. E vez ou outra sai alguma coisa boa. Mesmo assim a cozinha é um dos lugares que eu mais gosto na minha casa. É de longe o cômodo que eu passo menos tempo, mas quando a casa esta cheia de gente, a cozinha é sem dúvida alguma o lugar mais disputado. Segundo o Rubem Alves, na cozinha “a gente é a gente mesmo: fogo, fome e alegria” (eu adoro esta frase!).

Lá de onde eu venho o pessoal tem um costume engraçado: ninguém convida um amigo ou um casal para jantar – convida para cozinhar. O negócio funciona assim: o pessoal chega cedo em casa. Enquanto alguém corta a cebola e o cheiro-verde bem miudinho, outro vai lavando o tomate e o arroz, temperando a carne, esquentando o forno. Aí um lembra um causo, outro retruca, alguém dá risada, tira o menino de perto do fogão... É só “uma janta”, mas parece uma festa.

Nos últimos dias estou vivendo uma paixão tardia pelo João Guimarães Rosa. E aí ontem de madrugada, enquanto esperava o sono, eu li: “a coisa não está nem na partida e nem na chegada, mas na travessia”. E não é? Olha só: eu odeio comer sozinha. Por isso não perco muito tempo cozinhando, não. Porque comer é a chegada – passa rapidinho! Mas quando existe um motivo para eu agradar alguém, não me importo em ir para a cozinha (mesmo quando o prato não dá certo! rs). Porque a travessia é longa e é a parte mais gostosa da “coisa”. É onde “a gente é a gente mesmo: fogo, fome e alegria”. Então é isso... viver a travessia. Dá trabalho. Mas é bom demais da conta, não? =)

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Não sou exatamente a maior fã do Gil. Mas acho essa música linda... E nem podia escolher outra hoje porque eu acho mesmo que "toda casinha feliz ainda cozinha no fogão de lenha..."

Casinha Feliz
Gilberto Gil

Onde resiste o sertão
Toda casinha feliz
Ainda é vizinha de um riacho
Ainda tem seu pé de caramanchão

Onde resiste o sertão
Toda casinha feliz
Ainda cozinha no fogão de lenha
Ou fogareiro de carvão

De dia, Diadorim
De noite, estrela sem fim
É o Grande Sertão: Veredas
Reino da Jabuticaba
As minas de Guimarães Rosa
De ouro que não se acaba

Onde resiste o sertão
Toda casinha é feliz
Porque à tardinha tem Ave Maria
E o beijo da solidão

13 março 2011

Sotaque blues

Mais do Ricardo Vignini. Nesta versão de Cross roads, de Robert Johnson, além do Vignini tem também Mingo Jacob, Sergio Duarte, Celso Salim e Entidade Joe. Prá ouvir e ouvir de novo, e de novo, e de novo... =)

Boa semana procês!!!


11 março 2011

Retrato descorado

De tempos em tempos passavam alguns peões na fazenda. Eles chegavam, iam embora. Depois vinham outros, iam embora também. Não tinham parada – tinham um “pouso”, que mudava conforme a necessidade. Era gente muito simples, de lida pesada e dura – dura de verdade; nada parecido com o que você e eu achamos difícil hoje.

Foi tanta gente que passou pela fazenda que eu já esqueci o rosto e o nome de boa parte deles. O que marcou mesmo foi uma coisa que eu invejo até hoje: a intimidade destes caboclos com a água, com as pedras e a chuva; com o vento, o chão e o sol... Uma intimidade que para mim era a própria liberdade.

Nos últimos meses tenho me sentido bem parecida com os peões da fazenda: cada semana um pouso diferente. Aí pensando nisso lembrei de uma música do Dino Franco: “Velho pouso da boiada”. Eu não lembrava direito a letra e fui ouvir. Acho que era mesmo para eu escutar isso hoje:

“Numa tardinha fui andando por aí,
Coincidiu que eu descobri pedacinhos de saudade”

Eu lembrei desta história dos peões agora a noite enquanto organizava algumas fotos que fiz do que sobrou da antiga casa da fazenda onde eu cresci – “um velho pouso de boiada”. Ali a liberdade eram os caminhos que apareciam nos trieiros do quintal e do pasto. Era a madrugada desaparecendo no curral. Era o clarão do lampião no quintal alumiando as conversas. Era o beija-flor que morava em cima da minha rede no paiol. A liberdade era o tempo todo. Isso ficou em mim pequena, mas não ficou em mim gente grande...

Agora liberdade é de vez em quando. Era de mês em mês, agora é de ano em ano. Liberdade são os caminhos que não chegam, o pouso que passa apressado demais para eu prestar atenção. É o telefone que não aquieta, o sono que não chega e a saudade que vai apertando, apertando... Tudo igualzinho a um retrato descorado”...


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E prá fechar a semana, um caipira da cidade grande: Jessé. A composição é da Eunice Barbosa, Mário Maranhão e Mário Marcos: "voa, voa minha liberdade; entra se eu te servir como morada
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04 março 2011

Carnaval caipira

To indo prá roça curtir o "meu carnaval"... Bom feriadão procês! =)

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Carnaval caipira

(Celito Espíndola e Paulo Simões)

Meu carnaval também é caipira
Tão caipira quanto eu e você
Seja sem terra, seja presidente
Seja tucano ou xiita do PT (pode crê)
Mas afinal quem não admira
Macunaíma e Saci Pererê
Há quanto tempo Jararaca e Ratinho
Já mostravam o caminho
Para a gente ser feliz
Ai que saudades da sanfona
Do nosso Mestre Lua
Incendiando o sertão dos brasis

Meu carnaval faz do frevo catira
Mistura reggae com o cateretê
Seja real ou seja só de mentira
O importante é que não falte
O velho e bom balance
Hoje a galera se agita
Índio que não apita
Não vai sobreviver
Nossa canoa não vira
O Carnaval Caipira
Vai pegar vosmecê

Tem Pierrô, Colombina
Arlequim, Curupira, Caipora e ET
No Carnaval Caipira, vida é serpentina
E o confete é você