16 junho 2012

Fuxiqueiro

Agora todo mundo conta pro Facebook onde foi, o que comeu, o que usou, quando foi dormir, se escovou o dente ou se espirrou. 

Tem hora que esse fuxico todo me irrita. E eu acho mesmo é que o Machado de Assis estava certo (e parece até que ele ia adivinhando a internet): “não há alegria pública que valha uma boa alegria particular”.

Apesar de me faltar um bocadinho de paciência com o Facebook, tenho que admitir que ele me apresentou um punhado de gente nova. É que o ponteado da viola também faz barulho na tal da “timeline” e aí vai juntando cada vez mais caipira!

Mas o que eu ia contanto é que por conta do Facebook outro dia eu fiquei sabendo do Suíte Cabocla, um projeto de música instrumental para viola caipira. Fui atrás prá assuntar mais do tal projeto e acabei conhecendo o Renato Gagliardi.

Imagine só que o Renato juntou Villa-Lobos, Beethoven, Bach e mais um punhado de grandes compositores da música erudita, com a simplicidade e delicadeza da nossa violinha caipira. Eu achei genial! É como Tonico e Tinoco já cantaram:

A viola na sua simplicidade
sem gaguejá conversou c'a murtidão
no teatro da mais arta sociedade
e mostrando a beleza do sertão

Se quiser espiar um pouco do trabalho do Renato é só clicar no play do vídeo aí embaixo. Agora se quiser ajudar o Suíte Cabocla ganhar mais palcos, visite o blog do projeto: www.suitecabocla.blogspot.com.br. E se gostar, pode contar prá todo mundo – inclusive no Facebook. Por que vez ou outra a gente acha algumas coisas que valem “mesmo” passar prá frente e fazer um fuxico pro vizinho... =)


14 junho 2012

Modéstia parte

Meu pai é apaixonado pelo João Pacífico. E eu acabei herdando a paixão.

Aí, coisa de uns dois meses atrás, descobri uma peça de teatro que contava a história do poeta. E lá fui eu atrás das poesias deste caipira que saiu da roça aos sete anos de idade. Em 1924, em plena revolução, João chegava a São Paulo, aos 15 anos. Só voltou para o interior em 1995, já no fim da vida.

Mesmo depois de passar 71 anos morando na cidade grande, João Pacífico soube como ninguém falar da roça que o acompanhou até os últimos dias. E colocava em seus versos o cheiro, o mato, os riachos e serras que ele pouco viveu, mas que conhecia tão bem...

Resolvi contar esta história porque outro dia meu pai saiu com essa: “você não é mais caipira não... Já adotou a cidade grande!”. Eu quis responder na hora, mas deixei prá lá. Mas aí, no último final de semana, lá vem ele de novo: “tem jeito não... não é mais caipira”. Moço... Fiquei mordida!

Como meu pai é o leitor mais assíduo do Viola, achei melhor dar a resposta por aqui... rsrs E pensando na resposta, lembrei do Guimarães Rosa, que dizia: “o sertão é dentro da gente”.

É mais ou menos isso mesmo: o sertão vive em mim. E me faz reconhecer outros caipiras perdidos aqui no meio de tanto asfalto, buzina e gente sem tempo que vive correndo. Então, prá encerrar essa prosa, vou deixar outro poeta, o Adauto do Santos, falar por mim. Na voz da querida Inezita Barroso, ele escreveu tudo o que eu gostaria de dizer!

“Eu sou cabocla tô chegando lá da roça
Inda falo vige nossa, eu ainda digo é
Sou sertaneja, não me nego e faço gosto
Tá escrito no meu rosto, só não enxerga quem não quer

Eu sou aquele cheiro doce lá da mata
Água limpa da cascata, o verde dos cafezais
Modéstia parte sou o som daquela viola
Que um caboclo consola quando o acorde se faz

Eu sou do mato, sou caipira verdadeira
Sou perfume de madeira, esse é o jeito meu
Eu sou a fera que esconde o filhotinho
Ave que não sai do ninho, protegendo o que é seu

Eu sou aquilo que inda chamam de beleza
Sou um fato, sou certeza, tudo isso e muito mais
Nasci da terra, sou a flor da natureza
Eu sou vida, sou pureza, amor que não se desfaz”


Então é isso, Rubão: “modéstia parte, sou o som daquela viola”. Ou, como diriam Jacó e Jacozinho, “eu sou caipira... Mas quem não é?”.

Te amo, meu pai! Um beijo da sua caipira (de sempre!)

*****

Prá embalar a prosa, "Caipira de Fato", gravada em 1997 por Inezita Barroso e Roberto Corrêa.

18 maio 2012

Pé vermelho




Eu não tinha carro na época da faculdade. E algumas vezes achava que demorava mais esperar pelo ônibus então, andava um bocado a pé! Eu brincava que era da “turma do pé vermelho”. E gostava da caminhada porque a pé, eu sempre encontrava (e parava para espiar!) lugares que de carro, provavelmente não prestaria atenção. Mas isso já faz muito tempo...

Aí outro dia fui para Rio Preto. Sábado cedo, cheia de coisa para resolver, meu carro enguiçou. E quando o mecânico adiantou que eu ficaria o final de semana todo a pé, moço... Eu confesso que fiquei bem brava. Saí de lá remoendo o que ia ficar para depois e já ia ligar para um táxi quando ouvi, na esquina, o ponteado de uma violinha. E ali, naquele boteco escondido em uma das ruas históricas da Boa Vista, tinha um violeiro me dando “bom dia”.

Entrei no boteco, tomei uma Cotuba, ouvi o resto da moda e fui embora para casa – a pé. A caminhada durou mais de uma hora. E apesar do calor (de sempre) de Rio Preto, ficar com o “pé vermelho” naquela manhã valeu a semana inteira! Depois desse dia aprendi a deixar o carro na garagem de vez em quando. É bem verdade que eu já não tenho o mesmo “pique” da época da faculdade. Mas a cidade continua a mesma: cheia de surpresas em cada esquina para quem tem paciência para andar por aí procurando...



Publicado no jornal Boa Vista Parque em fevereiro de 2012

12 março 2012

Loteria

Há alguns anos trabalhei com uma amiga na produção de uma reportagem sobre realização de sonhos. O pano de fundo da matéria era apresentar um produto que facilitava a compra da tão sonhada casa própria. Eu tinha acabado de pegar meu diploma de jornalismo (que hoje já nem vale muita coisa rs) e estava pronta para falar de sonhos - eu mesma estava com a bolsa cheia deles. Aí, durante duas semanas inteiras conversei com gente de todo o tipo. A matéria ficou pronta, foi capa, todo mundo gostou e no final do mês estouramos nas vendas do tal produto. Depois dessa, vieram outras capas. Mas essa eu guardo com carinho. 

Um dos personagens da matéria era dono de uma lotérica. Fui para entrevista sem esperar muita coisa. Já imaginava que o cara ia falar de sorte e de como tudo é lindo quando você sonha e acredita nos seus sonhos, blá, blá, blá... Fiquei uns 20 minutos esperando ele chegar. Quando finalmente chegou ele foi curto e grosso: "não precisa nem gravar o que eu vou te falar porque se você for esperta, vai usar isso pelo resto da sua vida, menina. Você quer escrever sobre sonhos? Então, escreve aí: as coisas não acontecem para quem sonha. Mas para quem parte para a ação!".

A entrevista foi isso. Só isso. E eu lembrei dela porque, apesar de na época ter ficado morrendo de raiva por ter perdido tempo em ir entrevistar o tal dono da lotérica, hoje acho esse cara brilhante! 

Ando com preguiça de gente inerte, que posterga decisões, que passa os dias no casulo numa "clamura" danada, resmungando e esperando a vida acontecer. Seja qual for seu projeto de vida (e não interessa se ele é prá agorinha mesmo ou prá daqui 10 anos), faça alguma coisa para que isso aconteça! E se você não tem nenhum, por favor, arrume um urgente! Porque sem um ideal a vida fica muito sem graça.

Lá em Mato Grosso do Sul tive uma professora da escolinha dominical fantástica, a Dona Jussara. Ela dizia o seguinte: "o que você sente, quem você ama, o que você sonha... Isso tudo só diz respeito a você. É o que você "faz" para mostrar tudo isso que faz diferença". Resumindo: falar, até papagaio fala. Agora "fazer"... Como é difícil! Você pode até continuar tentando a sorte na loteria. Mas até para isso, vai ter sair do lugar e agir um bocadinho, viu?

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Já citei essa música em tantos textos que eu acho que já ficou batida. Mas não tem jeito, é isso mesmo: "um dia a gente chega, um outro vai embora". E como não dá para saber quando isso vai acontecer, se eu fosse você não perdia muito tempo falando não. Tire a bunda da cadeira, moço! Porque "cada um de nós compõe a sua história e cada ser em si carrega o dom de ser capaz, de ser feliz!”. Já que a música é repetida, vai aí uma versão diferente (e linda!)...

31 janeiro 2012

Atalho

Depois de morar 12 anos no mesmo lugar, a gente aprende todos os atalhos que precisa. Um atalho na rua para escapar dos faróis e chegar cinco minutos mais cedo. Outro atalho no trabalho para pegar o primeiro café da garrafa. Tem o atalho que passa em frente a única sorveteria com sorvete de banana na cidade. E aquele atalho que a gente não conta prá ninguém, mas que permite roubar um beijo no meio dia. =)

Aí, há mais ou menos uns dois anos, assisti a um show do Mococa e Paraíso no SESC de Rio Preto. Sentei na primeira fila, ao lado do Seo Zé do Cedro, e fiquei só esperando para ouvir “Doce de Cidra”, a minha preferida. Lá pelas tantas do show, o Seo Zé me cutucou: “presta atenção nessa”. E o vozeirão do Mococa lá no palco cantou:

Hoje no atalho de meu peito abandonado
O meu destino a pisar folhas caídas
Cruza a floresta do outro lado de meu tempo
Prá ver os anos carregando minha vida

Agora espia isso: na manhã do dia 31 de dezembro, na correria de comprar "mais aquele negócio que a gente esqueceu”, meu pai resolveu pegar um atalho para voltar para casa. No meio do caminho, pegou outro atalho para falar um “oi” para o Seo Carlos, um amigo muito querido.

Foi um “oi ligeiro” porque a livraria do Seo Carlos estava cheia dos clientes que lotam o lugar todo sábado de manhã para ouvir música. E eu já estava quase na porta quando o Seo Carlos perguntou: “menina, você sabe qual é o melhor atalho para evitar uma briga?”. Ele esperou para ver se eu ia responder – mas eu nem me atrevi... E aí ele respondeu logo: “é não brigar, uai! Porque “desbrigar” dá um muito trabalho! A gente acha fácil, fácil as palavras para brigar. Mas para “desbrigar”, não tem palavra que conserte o coração”.

Há sete meses mudei de cidade e de atalhos. E hoje, voltando para casa, arrisquei um atalho novo para encurtar o caminho. Não deu outra: tive que voltar e fazer o caminho antigo (rs). Cheguei em casa (mais tarde do que o previsto) pensando no Atalho da dupla Mococa e Paraíso e botei a moda para tocar baixinho...

Até que um dia o vendaval dos desenganos
Em pedacinhos fez a minha mocidade
Desesperado hoje eu grito e não encontro
O meu atalho na floresta da saudade

Não existe atalho para a saudade. Não dá para voltar e fazer o caminho de novo. E como o Pena Branca (sempre sábio) dizia: “a vida não se mede, mas se aprende no viver”. Então aprenda aí o atalho do seu Carlos: desbrigar dá muito trabalho. Na dúvida, economize um bocadinho as palavras. A raiva passa... Mas tem um bocado de pessoas que permanece sempre por perto, ajudando a gente a achar alguns atalhos mais fáceis prá vida...

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PS: Coisa boa a gente passa frente: se qualquer sábado desses você estiver em Campo Grande, não deixe de passar na Arte & Técnica, na rua Dom Aquino. Garantia de boa música (sempre!) e de brinde, o sorriso sempre gentil do Seo Carlos!


Mococa e Paraíso. Faltou só o Seo Carlos na foto! =)

30 janeiro 2012

História fresca

Tive um professor na faculdade que dizia que uma boa história pode ser "enlatada" ou "fresca". Qual fosse a opção, o importante era que fosse bem contada e honesta. Aí, ainda na faculdade, eu tentei fazer algumas "histórias enlatadas" - escrever, deixar na gaveta e ir usando conforme a necessidade. Moço... Não saía nada!

Até hoje, (meu amigo Betinho que o diga...), vira e mexe eu me apuro para cumprir o prazo. Perco algumas horas acordada da madrugada escrevendo, ajustando as palavras, tomando um bocado de café e ouvindo alguma coisa na vitrola enquanto tento esticar o tempo e o texto. É sempre mais corrido. Mas não consigo escrever se não for assim, com a história “fresca” saindo da cabeça para o papel. =)

Os últimos dias de 2011 e os primeiros de 2012 vieram carregados de novidades e da tradicional correria desse período. Por conta disso, dei uma sumida aqui do Viola. Causo prá contar tem de monte! O que não anda sobrando é fôlego para colocar tudo no papel... Então esse post é só prá dizer que apesar de não ter nada “na gaveta”, voltei cheia de causos fresquinhos para contar!

Vamos combinar seguinte: vou ali colocar a água prá ferver, passar um café e ir preparando a trilha sonora para as próximas madrugadas. Quem quiser, busque aí um biscoito de polvilho ou de goma para me acompanhar e esticar a prosa por aqui. Vá chegando e apure os ouvidos porque o ano promete um ponteado bonito aqui nessa viola, viu?

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Enquanto o café não fica pronto e para começar a semana (e o ano, com um mês de atraso...), aumente aí o volume para ouvir a Mônica Salmaso, uma paulista de quem eu já era fã e que agora, ganhou meus ouvidos e coração de vez! Prá ficar um bocadinho melhor, neste vídeo ela canta acompanhada do violeiro Paulo Freire. “Vai ouvindo...”


♫♪ ...a tua saudade corta feito aço de navaia
O coração fica aflito bate uma, a outra faia
Os óio se enche d'água... Até a vista se atrapaia, ai, ai, ai ♫♪