29 outubro 2006

A visita do vagalume

Há quem duvide, mas acredite: correr atrás de vaga-lume é muito divertido. Pelo menos quando a gente era criança... Aí essa madrugada eu, que nem lembrava mais que existia vaga-lume, topei com um bem na minha sacada.

Dizem os antigos que encontrar vaga-lume é sinal de “bom presságio”. E matar um bichinho desse é o mesmo que espantar a felicidade de casa. Na fazenda, já escutei os peões contarem que se guardasse um vaga-lume dentro de um vidro no dia seguinte ele se transformaria em uma moeda de ouro – e claro, a gente nunca tem um vidro por perto quando precisa...

Depois da rápida visita o danado do vaga-lume foi embora. E eu ainda fiquei bastante tempo acordada lembrando que quando criança, morria de curiosidade: da onde vem a luz do vaga-lume? Aí eu cresci e como todo adulto perdi a curiosidade. Bom, aí vai a explicação científica: a luz dos vaga-lumes chama "bioluminescência". A grosso modo isso significa o seguinte: a luz é uma reação química originada no organismo. Quer saber uma coisa que quase ninguém sabe? A “lanterna” do vaga-lume é essencialmente um dispositivo de namoro...

Agora olha como é bom ser criança: as histórias são muito mais interessantes... Quer saber a que ouvia? Então escuta: o vaga-lume, que não era vaga-lume ainda, apaixonou-se por uma estrela. Gostou tanto, tanto dela, que desesperado, pediu – a qualquer um que o ouvisse: “me faz pelo menos parecido com ela”. No dia seguinte, era um vaga-lume. A gente nunca perguntou se ele e a tal estrela ficaram juntos. Já sabíamos o que nos interessava – porque o vaga-lume brilhava...

O fato é que o vaga-lume veio pela sacada, entrou na sala, espiou e foi embora. Nem deu tempo de correr atrás. Depois que ele foi embora corri na estante e achei uma música de Luiz Carlos Garcia e Zezety: Escolta de Vaga-lumes. O vaga-lume não voltou mais. Mas me ajudou a lembrar como era gostoso ser criança...


Voltando pra minha terra eu renasci
Nos anos que fiquei distante acho que morri...
(...) Eu voltei e ao passar na porteira senti o perfume
Eu fui escoltado pelos vagalumes, pois era uma linda noite de luar

22 outubro 2006

Olhos Profudos


Composição: Renato Teixeira

Feito um menino que permite ao coração
Sair correndo sem destino ou direção
Que vire vento e sopre feito um furacão
Que nesse fogo por amor eu ponho a mão
E até permito as cantorias da paixão

O velho barco toda vez que vê o mar
Fica confuso, com vontade de zarpar
E ver o mar às vezes bem que é preciso
Pra ter certeza de ainda estar-se vivo
Mesmo que o casco esteja velho e corroído

Como uma estrada que vai dar não sei aonde
Por meu destino o coração é quem responde
Braços abertos pra se ver a luz do peito
Com grande amor que seja puro amor refeito
Olhos profundos não me olhem desse jeito...

21 outubro 2006

Tio Pedro e a Maria Louca
























Quando eu era criança, morava em Caçú, interior de Goiás. Tinha 7, 8 anos, quando conheci o Tio Pedro e a Maria Louca. Como toda cidade pequena, Caçú tinha seus “personagens folclóricos”, e essa dupla era famosa, principalmente entre as crianças.

O tio Pedro já era um senhor de idade, maltratado pela vida e muito mal humorado. Algumas crianças tinham medo dele. Já eu, que tive a sorte de ter em casa dois educadores de peso, gostava do tio Pedro... Ele morava de favor em várias casas, era meio andarilho. De vez em quando sumia, voltava de novo. Uma vez apanhei na escola porque briguei com um menino que estava jogando pedras nele. Nunca contei isso pra minha mãe. Bom, agora ela sabe... Nunca mais tive notícias do tio Pedro que hoje já não deve estar mais por aqui.

E a Maria Louca? Bom, como o próprio apelido sugere, ela também dava um pouco de trabalho. Andava pela cidade vestindo uma peça de roupa em cima da outra, com sacos pendurados nas costas, gritando com a molecada, xingando um ou outro... Quando a gente não queria dormir os mais velhos ameaçavam: “vou chamar a Maria Louca, a Mulher do Saco...”.

Mas isso já faz muito tempo. Essas duas figuras que marcaram minha infância, provavelmente já foram para um lugar bem melhor. Não conheço a história deles. Sei apenas que eles ajudaram a construir um pedacinho da minha.

Na semana passada finalmente concretizei uma vontade antiga: fui para São Paulo para "conhecer" São Paulo. Fiz um mapa dos lugares que queria ver de perto e a cada parada, eu não sabia se me impressionava com a beleza dos lugares ou a quantidade de marias loucas e pedros que eu encontrava no caminho. Exatamente iguais.

Um dos lugares que mais me impressionou foi a Igreja da Sé. A igreja estava praticamente vazia, mas na escadaria, enquanto subíamos aqueles degraus que pareciam não ter fim, quanta gente meu Deus! Deitados, sentados, alguns dormindo enrolados em cobertores. Todos do lado de “fora” da igreja.

Em nosso último dia na cidade, encontramos um casal de violeiros tocando e cantando na praça da Pinacoteca. Velhinhos já. Fiquei ali, assuntando. No meio da cantoria, o violeiro parou, olhou pra gente e soltou essa: “to aqui cantando, mas to vendo tudo!”. E voltou a cantar...

E eu? Eu voltei pra casa pensando, até quando vamos conseguir ir levando a vidinha da gente e não fazer nada? Semana que vem tem eleição – e detesto discutir política, mas vá lá... É fácil demais apertar dois números na urna e pronto. Mas e depois, como é que fica? A gente volta pra casa, continua não fazendo nada e espera por mais quatro anos, torcendo pra desta vez dar certo?

E depois dizem que o Tio Pedro e a Maria Louca é que eram estranhos... Pior somos você e eu. Dois malucos de verdade!

Coisas para 2013

Eu já vi disco voador. Vi uai, fazer o quê... Tem gente que acredita, tem gente que acha que é brincadeira. Já contei tanto essa história que até eu duvido dela de vez em quando...

Lembrei disso hoje depois que um amigo me contou impressionado sobre os “raios cósmicos” que atingiram a Terra na última terça-feira. Segundo ele (e Nostramus, que ao que tudo indica previu os tais raios), no dia 17 de outubro, graças aos raios cósmicos, qualquer um poderia realizar algum desejo – desde que o fizesse às cinco e dez da tarde, impreterivelmente.

Incrível essa necessidade que a gente tem. Sempre precisa de algo “sobrenatural” pra ter coragem de fazer alguma coisa. E não é de hoje! A gente apela pra tudo nessas horas: santo, simpatia, “raios cósmicos”.

Penso em tudo o que tenho vontade de fazer já, agora. Mas fico esperando a hora certa, esperando dar coragem, esperando o melhor momento, esperando pelos outros, esperando, esperando, esperando... E não faço nada – mesmo quando tudo está exatamente ao contrário do que eu queria. E pra ajudar fiquei sabendo dos raios cósmicos atrasada então, nem com essa ajudinha pude contar... =)

Agora vou ter que esperar até 2013 – anote aí, é quando teremos outra tempestade de raios cósmicos – pra fazer um monte de coisas. É verdade, ainda tem a segunda opção: parar de esperar. Mas isso já é mais complicado. Acho que ainda é mais fácil fazer o pessoal acreditar nas histórias do disco voador...

Em homenagem aos “raios cósmicos” do meu amigo editor, aí vai a letra de Disco Voador, composição de Palmeira, da dupla caipira Palmeira e Biá. Hoje seus discos são caçados nos sebos como se fossem ouro – a dupla é considerada uma das “mães” da música caipira. A letra, assim como o homem do interior, é simples, mas cheia de sabedoria. Espia!

Tomara que seja verdade
Que exista mesmo disco voador
Que seja um povo inteligente
Pra trazer pra gente a paz e o amor
Se for pro bem da humanidade
Que felicidade essa intervenção
Aqui na terra só se pensa em guerra
Matar o vizinho é nossa intenção

Se deus que é todo poderoso
Fez esse colosso suspenso no ar
Por que não pôde ter criado
Um mundo apartado da terra e do mar
Tem gente que não acredita
E acha que é fita os mistérios profundos
Quem tem um filho pode ter dois filhos
O senhor também pode ter outros mundos

Os homens do nosso planeta dão a impressão
De que não têm mais crença
Em vez de fabricar remédio
Pra curar o tédio e outras doenças
Inventam bomba de hidrogênio
Usam o seu gênio fabricando bomba
Mas não se esqueçam que por mais que cresçam
Que perante Deus qualquer gigante tomba

O nosso mundo é o espelho
Que reflete sempre a realidade
Quem forma vinha colhe uva
E quem planta chuva colhe tempestade
No tempo em que jesus vivia
Ele disse um dia e não foi a esmo
Que nesse mundo que a maldade infesta
Tudo o que não presta morre por si mesmo


PS: Disco voador? Não, a foto aí em cima é um “bolachão”, um disco da dupla
Palmeira e Biá, da RCA Candem, de 1966.

19 outubro 2006

Fim de ano e fim do mundo

...e a transformação da face do mundo é como a transformação da cara da gente, que muda tanto durante toda a vida – mas que, dia a dia, de ontem para hoje, de hoje para amanhã, sempre nos parece a mesma cara no espelho. (Mário Quintana)

Dá uma olhada aí no seu calendário. Olhou? Viu mesmo?
É isso aí, faltam menos de dois meses para o natal. dois meses! Vou te falar uma coisa, eu não sei de você, mas eu não vi o ano passar. Neste exato momento, estou aqui tentando lembrar o que é que eu fiz, o que ocupou tanto meu tempo que fez 2006 simplesmente... passar.

Aí lembrei de Hemingway. Ele não era caipira – nem brasileiro – mas foi um grande escritor. Acho que foi ele quem disse que devemos olhar as coisas como se fosse pela última vez – ou primeira? Não importa, o importante é o olhar. Foi isso que aconteceu com meu ano: eu não olhei prá ele.

To falando de olhar mesmo, ver, perceber. Todos os dias a gente acaba fazendo quase tudo igual – como na música de Chico Buarque – e o que vemos todo dia vira, sei lá... nada? Quer um exemplo: você faz todo dia o mesmo caminho para o trabalho. De tanto ver o mesmo caminho, chega uma hora que não vê mais. Agora imagina quanta coisa eu não vi esse ano!

E sabe aquele moço que todo dia você encontra no caminho para o trabalho? Se a partir de amanhã ele não cruzar mais o seu caminho, você não vai poder dizer que realmente via ele todos os dias. Você nunca perguntou o nome dele, onde mora, o que faz... Não viu nada disso. E agora, não vai ver mesmo... E aí outro ano vai passar e você vai fazer como eu – vai ficar repetindo essa frase batida de fim de ano: “o ano passou e eu nem vi”.

Falando de fim de ano, lembrei de uma música do Rolando Boldrin, um dos meus compositores preferidos: a moda do fim do mundo, uma versão engraçada do que dois compadres fariam com o pouquinho de tempo que sobraria nessa hora. A letra é uma parceria do Boldrim com Tom Zé e Svaniek (prá provar que “intelectuais” - ou os que se acham intelectuais - também gostam de música caipira!).


A Moda do Fim do Mundo

Cumpadi em Brasília, espaiaram
Um boato muito chato
Que o mundo vai se acabar

Vancê fique de oreia no rádio
Vancê fique de oio no jorná
Porque, vou te contar,
No dia que o mundo se acabá
Nesse dia a gente tem que resolver
Que nós temo que esconder
Aquele galo bolinha
Prá dispois do fim do mundo a gente ter
Um macho prás galinha,

Cumpadi também temo que esconder
Aquele touro garanhão,
Grandão e arruaceiro
Prá dispois no fim do mundo a gente ter
O bicho que sabe fazer bezerro,

Vancê fique de oreia no rádio...

Cumpadi pense bem no dia “d”
Que porva vai garrá fedê
E tudo nóis vira mingau
Prá dispois do fim do mundo a gente ter
Um casal do bicho que faz miau,

Cumpadi também temo que alembrar
E a sete chave nós guardar
O cachorro e a cachorra
Prá dispois do fim do mundo a gente ter
Que evitar que a raça morra

Vancê fique de oreia no rádio...

Cumpadi acabei de me alembrar,
Que o jegue irará
Também temo que esconder
Prá dispois do fim do mundo a jega ter
Um jegue prá lhe comer

Cumpadi sabe que na afobação
A gente quase se esqueceu
De guardar uma comadre
Prá dispois do fim do mundo a gente ter
Um pecadinho prá confessar com o padre

01 outubro 2006

Viola Quebrada

Me fizeram uma cobrança séria essa semana: onde está a letra de Viola Quebrada que dá nome ao blog? Para quem não conhece, aí vai um pedacinho de Mário de Andrade, um dos maiores poetas que o Brasil já conheceu.

Quando da brisa no açoite a flor da noite se acurvou

Fui encontra com a Maróca meu amor
Eu senti n'alma um golpe duro
Quando ao muro já no escuro
Meu olhar andou buscando a cara dela e não achou

Minha viola gemeu
Meu coração estremeceu
Minha viola quebrou
Meu coração me deixou

Minha Maróca resolveu prá gosto seu me abandonar
Porque o fadista nunca sabe trabalhar
Isto é besteira pois da flor
Que brilha e cheira a noite inteira
Vem de´pois a fruta que dá gosto de saborear

Minha viola gemeu
Meu coração estremeceu
Minha viola quebrou
Meu coração me deixou

Por causa dela sou um rapaz muito capaz de trabalhar
E todos os dias todas as noites capinar
Eu sei carpir porque minh'alma está arada e loteada
Capinada com as foiçadas desta luz do seu olhar...


***Na foto, o quadro O Violeiro, de Almeida Júnior. A tela, pintada em 1899, está exposta na Pinacoteca de São Paulo