13 outubro 2011

O Circo Montreal



De um lado fica a Serra da Mombuca. Do outro, a Serra da Pimenta. No meio das duas, Itarumã. E bem no meio de Itarumã, durante um mês inteirinho, ficou o Circo Montreal. 
 
Era um circo pequeno, mas para a molecada da rua que tinha pouco mais de um metro de altura, aquela lona colorida era o máximo! O terreno onde o circo foi armado ficava bem em frente à minha casa. E eu vi o mesmo espetáculo tantas vezes que já sabia de cor a hora que o sujeito das facas ia errar, jogar a faca para trás e arrancar um "óóóóó" do respeitável público. E mesmo sabendo o que ia acontecer, a gente corria para a matinê contando as moedas para comprar algodão doce e pipoca. E todas às vezes eu prendia a respiração, torcendo para o atirador de facas não machucar a mocinha.
 
Aí semana passada lá fui eu para o circo de novo. Desta vez um circo grande, com um nome esquisito. Moço... Foi tanta cor, som e movimento acontecendo ao mesmo tempo, que a gente só lembrou que aquilo tudo era faz de conta quando os artistas voltaram para o picadeiro - sem máscaras - para agradecer os aplausos. Foi realmente muito bonito e para a gente, que ficou ali espiando tudo de boca aberta, parecia até fácil voar de um lado para o outro.

O Tonico e Tinoco, que apresentaram-se em circos de todo o Brasil, cantaram um dia:

"Quando estou no drama que a platéia chora
Eles ignora que tudo é ilusão
O meu próprio drama eu nunca revelo
Sinto a dor no peito bater em duelo 
No cenário triste do meu coração"

Voar, a gente não voa não! Mas é bem verdade que vez ou outra o caboclo disfarça o que está sentindo para fazer bonito e conseguir um aplauso. E aí faz contorcionismo para dar conta do dia, dribla o leão, faz mágica para as contas fecharem e inventa uma piada mesmo sem achar lá muita graça. 

Vou contar uma coisa prá você: até hoje eu torço para o atirador de facas não machucar a  mocinha. E eu sei que no final vai dar tudo certo. Mas até ele acertar o alvo... Só mesmo prendendo a respiração. E aí, enquanto isso, de um lado fica o que a gente sente. Do outro o que a gente mostra. E bem no meio fica o coração, apertado que só...

12 outubro 2011

Do melhor jeito manera

"To tocando essa vidinha
Do melhor jeito manera
To sem pressa de matar
Essa vida passageira
Toda calma que eu puder
Vou gastar devagarinho
Quando vou pra um lugar
Dou cem voltas no caminho

(...)

Diz que a vida não se mede
Mas se aprende no viver
Não me atalho a paciência
To sem pressa de morrer
Seu cuitela numa estrada
Dou cem voltas no pomar
E só deixo a minha casa
Na certeza de voltar"



Pena Branca e Xavantinho


04 outubro 2011

Pingado com pão




Eu já tinha perdido a hora, o ônibus e estava quase perdendo a paciência quando começou a chover. Aí eu lembrei que tinha perdido também o café da manhã. Já que eu ia ter que esperar a chuva diminuir mesmo, entrei na primeira padoca que apareceu e pedi um pingado com pão na chapa. Era um gole e uma espiada na chuva. Um mordida no pão e uma olhada no relógio. "Tá atrasada, menina? Todo mundo vive atrasado, né?". Era a tia do café. Eu ia engolir e responder, mas não deu tempo. Ela já tinha ido servir outra pessoa.
A tia do café tinha razão. Espia só: um mês inteirinho passou e eu não consegui esticar a prosa aqui. Tá sobrando coisa prá contar, e por isso mesmo, faltando tempo prá escrever. Em setembro eu deixei tanta coisa "na espera" que é melhor nem lembrar. Aí tinha prometido que outubro ia ser diferente. Mas hoje já é dia 4 e eu comecei o mês de novo na correria, olhando para o relógio a cada cinco minutos.
Mas eu ia contando da chuva que não passava... Eu ainda estava na padaria matutando sobre tudo o que “não” ia dar tempo para fazer quando a tia do café voltou. Achei que devia retribuir o comentário dela: "Às vezes eu queria ter só uns cinco minutos a mais prá fazer uma ou outra coisa com calma, sabia?". Ela concordou com a cabeça, colocou "um dedo de café" num copo, bebeu e soltou essa: "Se você sabe quanto vale cinco minutos no seu dia, vai saber por que o seu coração bate, querida.” Falou e pronto, foi lavar os copos sujos de café que estavam na pia.
Uns 15 minutos depois a chuva ficou mais rala e uma hora depois eu consegui chegar ao trabalho. Ruminei o dia inteirinho aquela prosa com a tia do café. E aí eu me dei conta que não foi a chuva que me atrasou. Foram os "cinco minutos" que fizeram meu coração me levar na noite anterior até o outro lado da cidade. "Vai saber por que o seu coração bate..." Não é que a tia do café acertou?
Ia pensando nisso agora quando lembrei de uma moda do Renato Teixeira: "então vamos que o tempo tá passando e o melhor nessa vida é ir andando". A gente nunca sabe o que pode acontecer no dia de amanhã. E não adianta fazer planos porque basta chover no dia seguinte para mudar tudo. Mas se você consegue fazer valer (mesmo!) a pena pelo menos cinco minutos do seu dia (ou da sua vida inteira), a chuva, o ônibus atrasado, a pilha de coisas para terminar até o final do dia... Tudo isso fica mais fácil - ou menos difícil. É como diz o Teixeira: "uma vida inteirinha não é nada prá que gosta dessa jornada".


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PS: Se passar pela rua Peixoto Gomide, em Sampa, pare prá tomar um pingado e trocar dois dedo de prosa com a tia do café da padaria Nóbrega. Mesmo se não estiver chovendo, vale a pena! =)