10 dezembro 2007

Quem falar primeiro

A molecada de hoje não brinca mais dessas coisas. Mas quando eu era pequena a gente tinha umas brincadeiras meio bestas: ficar com o olho arregalado até ver quem piscava primeiro. Ficar em baixo d’água para disputar quem tinha mais fôlego. Conversar sem usar “porque” na frase (essa é difícil, acredite). Ou aquela famosa da “vaca amarela”, para ver quem conseguia ficar mais tempo sem falar absolutamente nada.
Minha mãe adorava este jogo. Durante as férias na fazenda, quando juntava aquele monte de criança em volta dela, rapidinho minha mãe gritava: “vaca amarela, pulou a janela, quem falar primeiro...”. O silêncio reinava por alguns minutos. E eu sempre perdia. Para mim, ficar em silêncio não era brincadeira, era castigo! Nem ligava de perder, eu queria era falar logo... =) Nem que fosse para brigar depois (sempre tinha alguém reclamando que eu tinha estragado a brincadeira). E depois que a brincadeira acabava Graziela, minha fiel “escudeira”, explicava com toda calma: “é só falar com o olho que você não perde”.
Eu vivo de “palavras”. Brinco as vezes que ganho a vida só “na conversa”. Mesmo depois de grande, continuo precisando falar, conversar, contar alguma coisa... E “não falar” para mim continua sendo castigo. A diferença é que agora, sei que posso dizer muito sem falar uma única palavra. Mesmo que as palavras façam toda a diferença, depois que a gente cresce percebe que na verdade, em alguns momentos as palavras só complicam as coisas. É por isso que ultimamente prefiro conversar “em silêncio”. Nelson Gonçalves foi quem melhor explicou isso:

Quem disser que os olhos não tem voz, quem disser que os olhos não falam, saia de perto de nós. Meus olhos falam sempre com os teus olhos, meus olhos tem sempre algo a dizer. Meus olhos dizem coisas aos teus olhos num idioma que só nós podemos entender...

E não é que a Grá estava certa? É só “falar com o olho que você não perde”... A gente cresceu. Mas o desafio continua o mesmo: descobrir quem é que vai falar primeiro. E aí ninguém fala porque adulto tem um medo de perder a brincadeira...