31 março 2009

“Semo porque semo, e também porque queremo"

Outro dia li essa frase em uma entrevista do Zé Mulato. Na hora não dei muita bola não, mas espia o que aconteceu...

O mês de março passou voando e foi um período “custoso” como dizem os goianos. Daqueles que a gente acorda cedo demais, dorme tarde demais, engole a comida e vai cronometrando cada segundo do dia para não perder tempo em nada... Aí o mês passou num tiro e eu nem vi.

Fui reclamar com uma amiga que a vida estava corrida demais e não sobrava mais tempo para fazer o que eu gosto e na hora ela rebateu: “a vida da gente só é corrida porque a gente deixa ficar assim Flá”. Vichi... Fiquei azeda na hora! Como assim “porque a gente deixa”? Fui embora torcendo o nariz para aquela conversa quando me vem o Zé Mulato prá arrematar a prosa: “semo porque semo, e também porque queremo”. E não é?

Tanta correria para trabalhar mais, ganhar mais dinheiro, comprar mais coisas para depois (só depois!) curtir a vida. E quem foi que disse que a gente não pode ir aproveitando desde já? "Gente" é um bicho besta mesmo viu...

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Prá comemorar as águas de março que eu espero o ano inteiro e o fim da canseira deste mês, um pouquinho de Tom Jobim...

“É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
(...)
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração”

24 março 2009

Todas as Vidas

"Nhá Xica", pintura de Almeida Júnior, 1895

Todas as Vidas


Vive dentro de mim uma cabocla velha de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho, olhando para o fogo.
Benze quebranto. Bota feitiço... Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro. Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mima lavadeirado Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso d'água e sabão. Rodilha de pano.
Trouxa de roupa, pedra de anil.
Sua coroa verde de São-caetano.

Vive dentro de mim a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola. Quitute bem feito.
Panela de barro. Taipa de lenha.
Cozinha antiga toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda. Cumbuco de coco. Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim a mulher do povo.
Bem proletária. Bem linguaruda, desabusada,
sem preconceitos, de casca-grossa, de chinelinha, e filharada.

Vive dentro de mim a mulher roceira.
Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos, seus vinte netos.

Vive dentro de mim a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada, tão murmurada...
Fingindo ser alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida - a vida mera das obscuras!