24 março 2009

Todas as Vidas

"Nhá Xica", pintura de Almeida Júnior, 1895

Todas as Vidas


Vive dentro de mim uma cabocla velha de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho, olhando para o fogo.
Benze quebranto. Bota feitiço... Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro. Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mima lavadeirado Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso d'água e sabão. Rodilha de pano.
Trouxa de roupa, pedra de anil.
Sua coroa verde de São-caetano.

Vive dentro de mim a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola. Quitute bem feito.
Panela de barro. Taipa de lenha.
Cozinha antiga toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda. Cumbuco de coco. Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim a mulher do povo.
Bem proletária. Bem linguaruda, desabusada,
sem preconceitos, de casca-grossa, de chinelinha, e filharada.

Vive dentro de mim a mulher roceira.
Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos, seus vinte netos.

Vive dentro de mim a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada, tão murmurada...
Fingindo ser alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida - a vida mera das obscuras!

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