11 março 2011

Retrato descorado

De tempos em tempos passavam alguns peões na fazenda. Eles chegavam, iam embora. Depois vinham outros, iam embora também. Não tinham parada – tinham um “pouso”, que mudava conforme a necessidade. Era gente muito simples, de lida pesada e dura – dura de verdade; nada parecido com o que você e eu achamos difícil hoje.

Foi tanta gente que passou pela fazenda que eu já esqueci o rosto e o nome de boa parte deles. O que marcou mesmo foi uma coisa que eu invejo até hoje: a intimidade destes caboclos com a água, com as pedras e a chuva; com o vento, o chão e o sol... Uma intimidade que para mim era a própria liberdade.

Nos últimos meses tenho me sentido bem parecida com os peões da fazenda: cada semana um pouso diferente. Aí pensando nisso lembrei de uma música do Dino Franco: “Velho pouso da boiada”. Eu não lembrava direito a letra e fui ouvir. Acho que era mesmo para eu escutar isso hoje:

“Numa tardinha fui andando por aí,
Coincidiu que eu descobri pedacinhos de saudade”

Eu lembrei desta história dos peões agora a noite enquanto organizava algumas fotos que fiz do que sobrou da antiga casa da fazenda onde eu cresci – “um velho pouso de boiada”. Ali a liberdade eram os caminhos que apareciam nos trieiros do quintal e do pasto. Era a madrugada desaparecendo no curral. Era o clarão do lampião no quintal alumiando as conversas. Era o beija-flor que morava em cima da minha rede no paiol. A liberdade era o tempo todo. Isso ficou em mim pequena, mas não ficou em mim gente grande...

Agora liberdade é de vez em quando. Era de mês em mês, agora é de ano em ano. Liberdade são os caminhos que não chegam, o pouso que passa apressado demais para eu prestar atenção. É o telefone que não aquieta, o sono que não chega e a saudade que vai apertando, apertando... Tudo igualzinho a um retrato descorado”...


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E prá fechar a semana, um caipira da cidade grande: Jessé. A composição é da Eunice Barbosa, Mário Maranhão e Mário Marcos: "voa, voa minha liberdade; entra se eu te servir como morada
"...

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