13 fevereiro 2011

Desemaranhar

Há poucos minutos de onde moro há um antiquário incrível. Não só pelas peças que ficam expostas, mas pelo lugar como um todo. Afastado da cidade, tem um pequeno café em uma casa antiga que foi restaurada e um lago bem tranquilo, cheio de patos, onde as pessoas passam o dia inteiro lendo, comendo, conversando... É realmente muito bonito.

Mas o que eu ia contar mesmo é que outro dia estive por lá e passei pelas salas e móveis que eu já conhecia tão bem – alguns estão lá há anos, como se nunca tivessem pertencido a outro lugar. E entre uma espiada e outra, parei bem em frente a uma peça nova: um tear.

Não é engraçado quando você se depara com uma lembrança que tinha ficado escondida? Parece uma fotografia amarelada que de repente ganha cor de novo. Foi assim como tear! Em poucos segundos eu me lembrei da sala, do cheiro e do barulho dos fios nas mãos rápidas da Dona Marta, uma senhora já muito idosa que foi nossa vizinha em Goiás. Isso faz muito tempo... Tanto, que eu nem lembrava mais.

Se você nunca viu um tear, pode parar um pouquinho para perguntar ao Google. =) Mas posso adiantar que trata-se de algo muito simples. Se você souber o que está fazendo, vai precisar apenas de tempo e um conjunto de fios. E assim, aos poucos, vai poder ir entrelaçamento tudo de maneira ordenada, unindo cores e formas. Eu me lembro de sentar ao lado da Dona Marta e ficar olhando aquela bagunça de fios. E me lembro de como ficava impressionada com a rapidez com que ela transformava aquele emaranhado de linhas em algo tão bonito...

E aí o tear me fez lembrar a Dona Marta e a Dona Marta me fez lembrar o Pereira da viola. Conheci o Pereira em 2002, quando estava terminando a faculdade. Ele, ao lado de um grande amigo – o flaustista Célio Sene –, me proporcionou momentos únicos neste mundo de violas, ponteios e cantoria. É dele a composição “tear”, uma delicada declaração de amor caipira:


“Sorte de mim que amarrei os meus cabelos

No tear que tens nos dedos pra tecer o nosso amor

(...) e mesmo assim, sendo só semente em flor

Replantei um pé de amor no coração de ocê”


A Dona Marta e o Pereira, cada um ao seu jeito, teceram coisas que hoje fazem parte da minha história. Ela com fios e linhas, ele com letras e melodias... Eu não tenho dom para trabalhos manuais. Tão pouco para a música – que o diga meu professor de viola depois de tantas tentativas frustradas. Mas cá prá nós, acho que você e eu até poderíamos tentar tecer alguma coisa.

Quando eu falava que a cesta de linhas estava uma bagunça, a Dona Marta - com toda a ciência de quem já viveu - explicava: "é só desemaranhá as linha, fia". É verdade que parecia bem mais fácil naquela época. Mas acho que ainda dá tempo prá desemaranhar nossa vida... E olha que beleza: a gente nem precisa do tear... Só precisa querer.

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Prá matar a saudade deste amigo querido, a minha preferida do Pereira: Menina Flor.

E prá botar reparo nas modas do Pereira da Viola, é fácil! E só dar uma passada por aqui: http://www.pereiradaviola.com.br/

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