08 setembro 2006

Varanda não é alpendre

“To com saudade de sentar no alpendre lá de casa...”

E estava mesmo. Há muito tempo não fazia isso. Mas nem deu prá terminar a frase. Verinha, a amiga que estava comigo na hora, ficou me olhando com cara de espanto, esperando eu explicar o que era “alpendre”. Sou paulista, mas morei muitos anos em Goiás e Mato Grosso do Sul. Me tornei goiana e sul matogrossense de coração. E desde que voltei para o Estado de São Paulo, já adulta e acostumada às expressões dos dois Estados que adotei, tive que me habituar a explicar algumas delas.

“Você não sabe o que é alpendre?”
“Não!”
“Alpendre? Que fica na frente da casa?”
“Ah... A varanda?”

Não, não é varanda. Quando fui procurar um apartamento para alugar pela primeira vez, percebi que todos os corretores faziam questão de salientar: “Esse imóvel é ótimo viu? Três quartos, fica no 11º andar e o melhor, tem varanda!” Estou aqui escrevendo e olhando pela “varanda” do meu apartamento. Quase todos os outros prédios à minha volta também têm “varandas”. Agora finalmente descobri porque a tal “varanda” é tão importante no prédio. Porque aqui todo mundo acha que varanda e alpendre são a mesma coisa. Não são.

“Claro que é... É tudo a mesma coisa”, insistiu a Verinha. Claro que não é! E não sou eu que estou falando isso não, é o Aurélio! “Varanda: balcão, sacada, terraço”. “Alpendre: espaço coberto e aberto na fachada de uma casa, que dá acesso ao interior”. Mas a diferença não acaba ai. É simples de entender: quem é que vai ficar na varanda do 11º andar de um prédio olhando alguém passar?

Quando era criança adorava ficar no alpendre brincando de casinha. Sempre passava uma ou outra menina da rua, via a brincadeira e parava para brincar também. Depois fiquei mocinha e o alpendre ficou ainda mais interessante. Minhas amigas e eu passávamos as tardes de domingo sentadas no alpendre conversando. Ou fingindo que conversávamos enquanto esperávamos passar “alguém”interessante na rua. E hoje, quando visito meus pais, o mesmo alpendre é o lugar onde colocamos a conversa em dia, enquanto os vizinhos vão chegando prá esticar e participar da conversa também.

Conhecíamos todos os alpendres da cidade. Tinha alpendre tão grande que as festas aconteciam nele. Só nele. Não precisam nem entrar na casa. Imagine agora dar uma festinha aí na “varanda” do seu apartamento... “Ah, entendi! Alpendre é coisa de velho!”, concluiu minha amiga. Deve ser mesmo. Parece que isso tudo aconteceu há tanto tempo. Mas nossa, como era bom!

Se você sentar na “varanda” do seu apartamento, talvez veja um passarinho voando ali por perto. Talvez veja a “varanda” do prédio da frente. Mas se você tivesse um “alpendre” ao invés de uma “varanda”, provavelmente conheceria melhor seu vizinho. Talvez receberia mais visitas. Ou simplesmente teria prazer de sentar lá no finalzinho da tarde só para ler um livro, tomar uma cervejinha ou simplesmente ficar olhando o movimento.


Meus pais tem em casa tudo o que a tecnologia oferece hoje – televisão, canal a cabo, DVD, internet... Mas todo dia sentam juntos no “alpendre” para conversar. Eles sabem o que é um alpendre. São casados há quase 30 anos. E nunca moraram em apartamento com varanda.

Prá explicar melhor isso tudo, aí vai mais uma do João Pacífico (essa em parceria com Edmundo Souto), que sabe melhor que ninguém falar dessas coisas da nossa gente...

Alpendre da saudade

Às vezes fico no alpendre da fazenda
Contemplando a vivenda onde eu era tão feliz
E bem na frente um barranco ao pé da estrada
Foi passagem de boiada tão pisado
O chão me diz: por quê? Por que você mudou?
Por que se afastou de mim?
Eu sou apenas uma estrada não sou mais pisada
E tão abandonada, enfim eu sou apenas uma estrada
Não sou mais pisada e tão abandonada, enfim
De que me adianta esse alpendre da fazenda
Que eu troquei pela vivenda por ser tão cheia de pó
Mas era um pó cheio de felicidade, hoje é pó da saudade
Aqui eu chorando, aqui tão só
Eu sei, eu sei qual a razão
Pois o meu coração me diz
Mas quando eu pego na viola
Ela me consola, ela é que me faz feliz

3 comentários:

  1. Oii Nana
    é a Carol , amiga do Juca , i to te chamando de Nana com essa intimidade toda pq escuto o juca falar de vc 24 horas hehe
    adorei o seu blog , os textos estao lindos , eu li todos e em alguns eu ate emocionei de saudade da velha costa rica hehe
    bjus

    ResponderExcluir
  2. Adorei seu blog. Esse post do alpendre é muito bom! t+
    Abraço

    ResponderExcluir
  3. Adorável, o post. Deu para ensinar umas coisas, mas com um estilo muito único e pessoal. Ficou até romântico. E eu concordo em absoluto com essa homenagem aos alpendres. Sou portuguesa de Lisboa, mas nascida em Moçambique, à beira mato.
    ... Numa casinha com alpendre que lá ficou no passado da infância, como coisa de velho, lol! :)
    Um abraço,
    APC

    ResponderExcluir