12 setembro 2006

Aquilo que não se ensina

Lembra quando você prestou vestibular?

Se não viveu isso ainda, certamente conhece alguém que passou madrugadas sem dormir estudando como louco, mesmo sem ter certeza do que gostaria de fazer da vida. Mas chega a hora de decidir. E aí você decide e vai em frente...

Minha primeira “profissão” foi arqueologia. Depois cientista, veterinária, professora, artista de circo, missionária, médica... É sério, já quis ser tudo isso. Mas quando chegou a hora, optei pelo jornalismo. Na verdade queria ser contadora de histórias e o jornalismo era o que mais chegava perto disso. Alguém já disse que “embora nenhum de nós vá viver para sempre, as histórias conseguem”. Acreditando nisso, continuo escrevendo. E mesmo amando o que faço, ainda me pergunto como teria sido a vida no circo...

Meu irmão caçula – hoje maior que eu em tamanho e maturidade – vai prestar vestibular. Somos muito parecidos. E assim como eu, ele já "escolheu” dezenas de profissões. Ele tem apenas 18 anos. E eu pergunto: quem é que sabe o que quer da vida aos 18 anos? Se eu fosse prestar vestibular hoje, provavelmente sairia do cursinho, compraria uma barraca e iria morar na praia. Uma idéia um pouco romântica, é verdade. Mas ainda assim poderia continuar contando histórias...

Gosto de muitos escritores. Mas “paixão” mesmo, tenho por poucos. Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretãs é uma dessas. Talvez você não a conheça por esse nome. Foi como Cora Coralina que essa goiana, uma autêntica contadora de histórias, ficou famosa. Cora só começou a escrever aos 14 anos, após completar apenas dois anos de escola primária – única escola que fez. Escreveu a vida toda, mas não foram seus poemas e dezenas histórias que me encantaram. Foi sua paixão pelo que fazia.

Cora escrevia sobre qualquer papel que lhe caísse às mãos: bordas de jornais, envelopes de cartas, cartões postais, papéis de embrulhar pão. Se tivesse tempo, passava a limpo. Caso contrário, ficavam por ali, esquecidos. Não escrevia para os outros. Escrevia apenas por paixão.
Hoje, enquanto meu irmão fazia sua inscrição para um dos muitos vestibulares que fará até o final do ano, fiquei pensando se ainda sou uma “contadora de histórias” ou se finalmente virei apenas jornalista. E mais uma vez me lembrei de Cora Coralina: faz de tua vida mesquinha um poema. E viverás no coração dos jovens e na memória das gerações que hão de vir.

Cora morreu aos 96 anos em 1985. Lançou sete livros, o primeiro deles aos 75 anos. Meu irmão tem apenas 18 e muitos “poemas” para fazer. Num deles vai encontrar aquilo que faz tanta falta aos jovens de hoje. Paixão. Isso, faculdade nenhuma ensina...

Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso aos que têm sede.

*Aninha e suas pedras, de Cora Coralina (na foto) em outubro de 1981

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