07 setembro 2006

Fiozinho d'água

Um fiozinho d' água desviou de um riacho
Veio vindo serra abaixo e passou no meu pomar
Encontrou uma pedra ficou sua companheira
Brincaram de cachoeira e aqui ficaram pra morar.
E hoje da janela eu contemplo a cachoeirinha
Que ficou minha vizinha desde que a vi nascer
Seu murmúrio doce é um verdadeiro canto
É quem me serve de acalanto para eu adormecer

João Pacífico escreveu o poema acima em 1991. Em 1998, fez questão de recitá-lo em um almoço com amigos, no dia 28 de dezembro, dois dias antes de morrer, aos 89 anos. Viu durante seus 89 anos o mundo que ele conhecia mudar de cara dezenas de vezes. No entanto conseguiu manter cristalina sua pureza, sua “paciência” que acabou lhe rendendo o apelido de Pacífico. Como um fio d’água ele viveu e desviou riachos, curvas e pedras para chegar ao seu destino.
Um fiozinho d' água desviou de um riacho...
Passei boa parte da minha infância na fazenda. Nesta época meu pai tinha o costume de sentar ao meu lado depois do jantar. No alpendre (é assim que os goianos chamam a varanda da frente da casa) ou no meio do terreiro, a gente ficava conversando, falando um pouco de tudo.
Sem energia elétrica na fazenda (portanto sem televisão), tínhamos tempo de sobra para conversar sobre o que quiséssemos. Foi sem dúvida um dos melhores anos da minha vida. Só que aí eu cresci.
Mudamos para a cidade e nossas conversas ficaram cada vez mais curtas. Hoje, longe de casa, sinto saudade da falta de luz elétrica que me permitia ver todas as estrelas no céu. Sinto falta da brisa fresca que tomava conta de toda a sede da fazenda durante a noite. Do cheiro do mato, de café torrado, do leite no curral... Mas sinto saudade mesmo é do tempo...
Hoje quando a saudade aperta me sinto como o fiozinho d’água de João Pacífico, desviando dos riachos. Em momentos assim fecho o olho e consigo até sentir o cheiro do mato. Dói um pouco, mas também ajuda a continuar procurando o caminho do mar...

Me dá licença estou chegando lá do mato
Moro longe desse asfalto
Atrás da serra é o meu rincão
Lá onde eu moro
Não existe luz na rua
Moro onde nasce a lua
Que tem nome de sertão
E não reparem na minha simplicidade
A grande felicidade
Foi nascer neste lugar...


Trecho de Gostinho de Saudade de João Pacífico e Piraci

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