07 setembro 2006

Se me chamam de caipira

Em 2005 a TV Cultura de São Paulo transmitiu o documentário Quem Tem Medo de Ser Caipira?. Achei engraçada a pergunta porque cresci na fazenda ouvindo meu pai falar de seu orgulho em ser caipira. Aos poucos fui associando a imagem de caipira a imagem do caipira que eu tinha em casa: um caboclo forte, trabalhador, de coração mole e apaixonado pelo Brasil.
Cresci. E hoje sei que também sou caipira. Por isso quando vi o anúncio do documentário fiquei me perguntando como alguém poderia ter medo de ser caipira. Medo de ser aquilo que eu mais me orgulho.

O fato é que muita gente ainda confunde o que é ser caipira. Enxergam apenas aquele bicho do mato, idealizado por Monteiro Lobato, o matuto inocente e sujeito a gozações. Por certo quem ainda “tem medo de ser caipira”, precisa antes de mais nada estudar a fundo a história desse País feito, formado e sustentado por muitos caipiras.

A ignorância em relação à cultura caipira é tamanha que até mesmo nossos líderes já mostraram não conhecer seu povo. Em 1996, durante uma viagem diplomática a Lisboa, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que o povo brasileiro “tinha mentalidade caipira, por rejeitar a globalização e a idéia de relacionar-se com o mundo”. É bom que fique claro a diferença: não estou falando do sertanejo, estou falando do caipira mesmo. Zé Mulato e Cassiano souberam como poucos explicar o que quero dizer. Nos versos de Navegante das Gerais, os dois cantam:

Se me chamam de caipira

Fico até agradecido
Pois falando sertanejo
Eu posso ser confundido
(...) Defendo nossas raízes

Por isso tenho brigado
Não escondo minha origem
Sou caipira liberado
Minha modinha é singela

Igual a flor do cerrado
Mas é sertão brasileiro
Tudo o que eu tenho cantado
Infelizmente o que vejo

É um bando de sertanejo
Com mania de importado

Os jornalistas Assis Ângelo e Mouzar Benedito também já apontaram em seus estudos as diferenças entre o caipira e o sertanejo. "A música caipira é feita pelo homem da roça, sem influência do country americano, sem instrumentação eletrônica, apenas com viola e violão. Já sertanejo está mais próximo do country e das guarânias paraguaias”.
Prá quem ainda não entendeu o que é ser caipira, é muito fácil descobrir. Basta deixar de lado o “medo de ser caipira” , pegar o “caminho da roça” e atender o convite que Tião Carreiro e Pardinho fizeram em 1968 em sua música Encantos da Natureza:

Tu que não tiveste a felicidade
deixa a cidade, vem conhecer
meu sertão querido, meu reino encantado
meu berço adorado que me viu nascer

venha o mais depressa, não fique pensando
estou te esperando para te mostrar

vou mostrar os lindos rios de águas claras
e as belezas raras do nosso luar


***Na imagem, o quadro de José Ferraz de Almeida Júnior, 1893, "O Caipira Picando Fumo", exposto em Pinacoteca de São Paulo

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