20 novembro 2006

Cheiros e cores

Aí outro dia me perguntaram: “mas com tanta coisa prá escrever... Tinha que ser logo música caipira?”. Tinha uai... Eu gosto de música, ponto final. E amo música caipira. E gosto não se discute certo? Mas vamos discutir um pouquinho...

Desde que nossos amigos portugas apareceram por aqui, a música caipira tem sido representante daquilo que o Brasil tem de melhor e de mais puro. Misturou índios, negros, jesuítas, bandeirantes, tropeiros... Tudo no mesmo balaio, de onde saiu a tal música caipira. Já defendi a tese de que por muito tempo nossos violeiros foram “jornalistas do sertão”, ponteando em suas violinhas, as histórias e causos da nossa gente. Então, por módi de que eu ia querer escrever sobre qualquer outra coisa – ou sobre qualquer outro estilo de música “importado”, se eu posso falar de uma coisa nossa, legítima?

O violeiro Yassir Chediak já disse que a viola brasileira tem cheiros e cores. Não entendo nada de música. Apenas gosto. E cada vez que escrevo sobre uma moda, escrevo justamente sobre cheiros, cores... E gente. Escrevo sobre até sobre você, que nem gosta de música caipira.

É só uma questão de deixar o tal "pré conceito" de lado. Quer ver só uma coisa: você certamente já ouviu Beethoven (ou pelo menos ouviu falar dele). Conhecido por suas belíssimas obras, poucos sabem que o alemão Ludwig van Beethoven já foi considerado um “artista do povo”, que gostava tanto de música rural, que compôs dúzias de contradanças inspiradas na vida interiorana.

Ayton Mugnaini Jr., na Enciclopédia das Músicas Sertanejas, garante: “se ainda houver alguma dúvida sobre Beethoven ter algo a ver com música “caipira”, basta lembrar o sucesso de Osvaldinho do Acordeon com sua adaptação da Quinta Sinfonia, que denominou "Sanfonia de Betovem" (que está em seu LP Forró in Concert, de 1981).

É por isso que escrevo sobre música caipira meu amigo... E se você parar para sentir (não só “ouvir”) as letras dos nossos caipiras, vai entender o que o maior violeiro do Brasil, Renato Andrade
, definia como música: "uma música bem tocada faz você sentir saudade de uma coisa que você não sabe o que é".


***Na imagem acima, de Tarsíla do Amaral, o quadro Operários, pintado em 1933

Um comentário:

  1. Concordo. Mas aquela visão romântica da música pura se torna cada vez mais difícil de se acessar. Tudo vira produto e acaba-se fazendo um comércio musical, uma indústria cultural da música sertaneja que resulta em fenômenos como Chitãozinho e Xororó, outrora sertanejos, hoje countries, um espelho da cultura dos Estados Unidos.

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