27 abril 2010

O menino e o rio

Era uma vez um rio. E um menino. Mas a história não começa assim. Começa com o dia em que o tio chamou o menino para conhecer o rio.

Era um tio meio "torto" sabe? Amigo antigo do pai, estava sempre por perto com uma brincadeira nova para ensinar ou uma história para contar. O menino gostava um bocado deste tio. Verdade seja dita, gostava mais até do que os tios de verdade que estavam sempre com pressa e nunca entendiam o que menino dizia.

Mas eu estava contando sobre o dia em que o tal tio, chamou o tal menino para conhecer o tal rio.

Já era de noite. E a noite estava escura que só. O menino - que era um menino da cidade - sentiu uma pontinha de medo quando olhou para fora da casa e não viu nada, só escuridão. Foi aí que o tio chamou o menino e disse: "escuta...". E o menino escutou.

Ali, bem pertinho de onde ele estava, ouviu um barulho que nunca tinha ouvido antes. Era alto. Parecia um canto, um choro, um bicho. Ele apurou o ouvido tentando entender o que era aquilo. Sentia que se esticasse um pouquinho só a mão naquele negrume da noite, poderia até tocar aquilo que fazia tanto barulho. Mas o medo não deixava... Foi aí que o tio explicou que ali do lado, bem pertinho de onde eles estavam, passava o rio. E que no dia seguinte o menino, que não acreditava que um rio pudesse fazer tanto barulho, poderia ver de perto um "mundão de água danado".

Quando foi para a cama naquela noite o menino ficou pensando no rio. Ele conhecia outros rios, claro que conhecia. Mas nenhum que fizesse tanto barulho. E aí o menino dormiu ouvindo o barulho da água correndo ali do lado e quando acordou na manhã seguinte, mal conseguiu engolir o leite com café que a mãe tinha preparado para ele. Ele só conseguia pensar no rio e só de pensar dava um frio na barriga...

Ele correu para o quintal. E o rio estava ali. Ele era "enooooorme". Assim mesmo, com muitos "ós".

O menino tentou ficar na ponta do pé para ver direito, tentar olhar lá do outro lado. Mas a vista não alcançava. A água corria ligeira e vez ou outra ele forçava a vista para ter certeza que não tinha visto um "tubarão" passando ali.

O pai achou graça do espanto do menino; a mãe ficou preocupada com ele ali, tão pertinho da água. O que ninguém entendia era que o rio tinha ganhado o coração do menino. Ele, que já tinha ouvido tanto sobre o rio, não conseguia acreditar que ele podia ser tão maior, tão mais bonito do que ele imaginava...

Aí o menino cresceu. E um dia, sem avisar nem nada, ele sentiu como se o rio inundasse de novo o seu coração. O menino, que já era um homem, tinha ouvido tanto sobre o amor mas não conseguia acreditar. Era igual ao rio: maior e tão mais bonito do que ele imaginava...

Um comentário:

  1. Nossa. Gostei. Comparação muito evocativa. Tudo a ver. E muito bem escrito.

    Já passei mais de uma vez por essa de descobrir o barulho de águas invisíveis por entre folhagens refrescantes na bruma e ele parecer desproporcionalmente grande. Eu tinha uma tia-avó em cujo quintal havia uma cachoeira - era a Cachoeira das Três Moças, usada para uma roda d'água para dar energia para uma fábrica de tecidos que originou a cidade de Pedro Leopoldo. A cidade cresceu em volta, a fábrica virou elétrica e a cachoeira foi parar na propriedade da minha tia. Dava para ouvir o barulho vindo do meio das folhagens úmidas.

    Mas o barulho só parece tão grande depois que a gente o descobre. Às vezes a gente sente algo assim: fica um tempão lá, crescendo sem sabermos; de repente a gente descobre - extraordinário que não fosse percebida, de tão imensa e intensa -; e então não se consegue mais conceber como era o mundo antes de ela se revelar.

    É bom que, depois que mesmo assim esquecemos, as águas sussurrem de novo em outras formas para nos trazer de volta à realidade, nem que seja por uns momentos.

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