13 setembro 2009


Aprendi a contar histórias de tanto ouvir as do meu pai. E ainda hoje, apesar da distância e do tempo cada vez mais minguado, ainda me emociono com as histórias singulares do homem mais importante da minha vida...

Há alguns dias meu pai me enviou a história aí embaixo sugerindo que eu a "melhorasse" para publicar no blog. Leiam. Vocês vão concordar que não dava para tirar nem uma vírgula dessa história...


Recordação de Dois Carreiros

Década de 70. Devia ser mais ou menos 1971, 1972, talvez 1973. Final de ano, eu de férias em casa. Ou melhor, na casa de pai e mãe, né? Ali, de "morada mesmo", nunca mais voltei. Saí pra estudar e, como sempre acontece, bati asas e voei, voei... E nunca mais (de morada) voltei.

Isto se passou num sítio lá nas Minas Gerais, município de Iturama, Córrego da Lama. Meu pai precisou sair e me deixou encarregado de receber um gado que ele havia comprado e seria entregue ali no sítio por um amigo nosso, o Armando. Eu teria de receber, contar o gado para conferir o número de reses entregues e depois disto, levá-los na “aguada” para beberem e irem para o pasto. A aguada era uma represa (até grandinha) que havia no fundo de casa. Ela abastecia o pasto que o gado recebido ficaria e o piquete dos bezerros das vacas leiteiras.

E assim foi feito: gado recebido e conferido, fomos tocando o gado até a dita aguada. O gado era constituído quase que só de vacas destinadas a engorda para o abate. Mas ali no meio veio uma velha junta de bois de carro, dois bois comuns, mestiços, sem raça definida. Um amarelo e o outro baio (branco).

Por cima da casa onde morávamos passava uma estrada de acesso às fazendas vizinhas. Por uma destas coincidências incríveis que a vida nos impõe para nos ensinar algo, justamente quando os dois bois carreiros se aproximavam da água, nos chega o som de um carro de boi cantador, eixo de pau, que ia transitando carregado de madeira para cerca (se o carro não estiver pesado, ele não canta, pois o atrito entre as madeiras do carro é leve).

Ao ouvir o som dos carros os dois bois estacaram na hora. O boi baio escutou um pouco, mas as recordações não deveriam ser muito boas, então caminhou até a água e foi beber. Porém o boi amarelo torceu o pescoço, virou e abaixou a cabeça em direção à estrada de onde vinha o som do carro cantado. Ficou escutando o carro cantar, até o som praticamente se tornar imperceptível para nós, o que deve ter demorado alguns bons minutos. Só então ele voltou a cabeça para a posição normal, caminhou até a água da represa e foi beber.

Aquilo me marcou profundamente. Mas somente agora, já no ocaso da vida, é que realmente avalio tudo o que deve ter passado na cabeça daquele pobre animal – quanta luta, quanta ponta de ferrão no corpo, quanta força. Me lembro de alguns animais que chegavam a ajoelhar de tanta força fazer, transportando o “progresso” da época, para agora receber como aposentadoria um lugar lá no frigorífico e ainda servir de pasto a quem eles tanto ajudaram.

Assim também tem sido a vida da gente... As vezes machucados, as vezes machucando outros para obter um pouco de poder. Uma riqueza que é tão ou mais efêmera que a própria vida que passou. E passa tão depressa que nem nos damos conta – quando acordamos já estamos velhos, na hora de ir para o “frigorífico”...

"Rubão" Beluzzo Ribeiro

Um comentário:

  1. Eu não sei nem o que comentar de tão bonito que esse texro é! Obrigada. Acho que é o melhor comentário a ser dito!

    ResponderExcluir