29 setembro 2007

Cante lá que eu canto cá

"Fala direito menina: pa-ta-tiva".
"Pata o que?"

Não saía... Eu tentava, mas não saía. Mas também... Prá que um passarinho tão bonitinho (e tão pequeno) com um nome tão complicado? Eu não entendia. Mas tentava! “Pa-ta-ti-va”... Até que saiu! E quando eu aprendi o tal nome da patativa ficou até mais gostoso escutar ela cantando lá longe, triste, melosa, quando o sol começava a se esconder no final do dia...
Aí, depois de grande, outra “patativa” apareceu na minha vida: Patativa do Assaré. Assim como a "minha patativa", esse poeta matuto era simples e tinha um canto único, só seu. O artista do sertão tem um ritmo e uma cadência diferentes. Para ouvidos desavisados, a melodia pode ser um pouco sem graça e a linguagem sem as habilidades da semântica e da gramática. Nem sempre os poetas sertanejos falam de paixões avassaladoras ou amores perdidos. Mas contam (e cantam) a vida de um jeito tão singular que parece poesia brotando do chão. É como dizia Patativa:

“Na minha pobre linguage, a minha lira servage, canto que a minha arma sente. E o meu coração incerra, as coisa de minha terra e a vida da minha gente”
(Aos poetas clássicos)

Cearense e fã de Castro Alves, Patativa (que nasceu Antônio Gonçalves da Silva), dizia que para ser poeta não era preciso ser professor. "Basta, no mês de maio recolher um poema em cada flor brotada nas árvores do seu sertão". Quando a memória começou a faltar, o poeta resolveu não escrever mais e declarou: "ao longo da vida já disse tudo que tinha de dizer". Morreu em 8 de julho de 2002 na cidade que lhe emprestava o nome. Pouco antes de ir embora escreveu: “Quando chegar o meu fim, sei que a terra me come. Mas fica vivo o meu nome, para os que gostam de mim”.
Não sei se existem patativas na cidade. Nunca ouvi nenhuma. Mas a lembrança do canto daquele passarinho de nome engraçado alegrou meu dia hoje (que precisava mesmo de um fim de tarde com uma patativa lá longe cantando chorosa). Na falta dela, apelei para a sabedoria de Patativa do Assaré:

“Aqui findo esta verdade, toda cheia de razão: fique na sua cidade, que eu fico no meu sertão. Já lhe mostrei um ispeio, já lhe dei grande conseio que você deve tomá: por favô, não mexa aqui, que eu também não mêxo aí! Cante lá que eu canto cá!”

Um comentário:

  1. E tem gente que ainda pensa que sertanejo é cafonice. Tem gente que não entende que "o sertanejo é, antes de tudo, um forte".
    Beijos
    Ps: AMo...amo este blog.

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